A Páscoa, que é celebrada hoje, constitui uma das principais festas religiosas dos cristãos. Na nossa região, apesar de ter vindo a perder algum impacto, estas celebrações religiosas continuam a movimentar as gentes do Minho, embora centrando-se mais na área comercial e lúdica.Parte superior do formulário
A importância religiosa, mas também social, que a Páscoa exerce sobre os minhotos é bastante significativa. Apesar de ainda existir esta tradição, até há pouco tempo, nos dias anteriores à Páscoa, as famílias reuniam-se com grande dedicação e energia para fazer uma limpeza profunda nas suas casas, enchendo-as de flores para receberem a visita pascal. Era uma oportunidade para mostrarem ao pároco e à sua comitiva o melhor que tinham nas suas habitações, desde as toalhas de linho, aos tapetes, bebidas e doces.

As comunidades também se justavam para procederem a uma grande higienização na igreja paroquial, enchendo-a de toalhas de altar lavadas e muitas flo-res.
Quem percorre o Minho, por esta altura da Páscoa, ainda pode observar vários tapetes de flores à entrada das casas, grupos de familiares junto às habitações, à espera da visita pascal, e ainda o tiritar dos sinos que anuncia a chegada da visita religiosa.
O momento alto deste dia é quando o pároco entra nas habitações, transmitindo a mensagem de ressurreição e de alegria a todos os presentes.
Um dos anos mais tristes da Páscoa em Portugal e especialmente em Braga foi o ano de 1912, altura em que estava ao rubro a tensão entre o Estado e a Igreja. A Páscoa de 1912 foi a primeira realizada após a publicação da célebre “Lei da Separação do Estado das igrejas” (20 de abril de 1911).

Nessa altura, a perseguição levada a cabo pelos republicanos aos católicos e às instituições religiosas atingiram proporções de grande tensão social em Braga. Cerca de uma semana antes da Páscoa, exatamente na quinta feira, dia 4 de abril de 1912, entre a meia noite e a uma hora da manhã, ocorreram várias explosões de bombas em Braga. Uma bomba explodiu no lado sul do Campo de Santana (atual Avenida Central) junto às instalações do antigo liceu; outra explodiu na Praça Municipal, por trás do lado norte do edifício da Câmara Municipal, junto à casa de António José Vieira Machado, e outra bomba explodiu junto ao Rechicho. Estas situações causavam obviamente enorme alarme social.

Para clarificar ainda mais esta situação, o Ministério da Justiça enviou um telegrama aos Governadores Civis, logo no início de abril de 1912, chamando a atenção para a forma como deviam ser permitidas as chamadas visitas pascais. Segundo este documento, as visitas pascais não poderiam realizar-se sem a licença prévia da autoridade, sendo proibida a cerimónia que provocasse a alteração da ordem pública.
Se os párocos fizessem a visita pascal sem licença, a autoridade não se oporia, mas levantaria posteriormente autos, recorrendo a testemunhas, sendo esses depois enviados ao Ministério Público.
Perante esta situação, os párocos receavam especialmente o capítulo III (Da fiscalização do culto público) da “Lei da Separação do Estado das igrejas”, como facilmente se deduz.

Como reação a esta limitação ao culto religioso, os párocos de Braga optaram por não fazer a visita pascal aos paroquianos. Resolveram antes expor “a cruz nas suas egrejas ou em capellas, a determinadas horas de domingo e segunda feira, indo alli - os parochianos beijar o Crucificado, dar as boas festas aos parochos e depor as suas oferendas aos mesmos, como do costume” (“Commercio do Minho”, 11 de abril de 1912).
Na Páscoa de 1912 apenas António Gomes de Amorim, o pároco de S. Lázaro, resolveu visitar os seus paroquianos, desafiando assim as autoridades republicanas. Durante o dia de Páscoa as visitas decorreram com alguma normalidade na freguesia, mas no final de do dia, quando passava no “fundo da rua das Palhotas, algumas praças de caçadores a desacataram provocando assim a indignação popular”. Depois destes militares terem desatado as fitas que compunham a visita pascal, verificou-se uma grande desordem, “puxando os populares pelos terçados contra o povo, que os atacou a pau, a pedrada, etc”.
Os soldados que tinham estado na origem deste desacato “foram perseguidos por homens e mulheres d’aquele bairro, até á rua de Santa Margarida, fugindo pela congosta ahi existente, para o seu quartel na Tamanca”. O resultado foi visível, pois vários ficaram feridos, entre populares e soldados!

Com receio do que poderia acontecer ao pároco, os populares dirigiram-se “à cadeia civil, que fica do fundo das Palhotas, e onde o rev. abbade Antonio Gomes de Amorim estava visitando os presos e distribuindo lhes esmolas, e em numero respeitável, ofereceu-se para acompanhar o seu parocho á residência”!
Quando se pensava que tudo tinha ficado resolvido, na segunda-feira, à noite, ocorreu uma nova tensão na rua das Palhotas provocada por “militares de caçadores, que queriam tirar a desforra dos factos da véspera” com os populares do bairro. Verificaram-se ofensas, empurrões, agressões, tendo sidos “disparados muitos tiros e efectuaram-se 5 prisões”.
Nesse ano, alguns párocos das freguesias rurais arriscaram mais e fizeram a tradicional visita pascal, que ficou marcada por fogo de artifício e música. Outros, no entanto, recusaram-se a fazê-lo, optando por receber os paroquianos nas próprias igrejas, local onde as pessoas aproveitavam para entregar as tradicionais oferendas ao pároco.

A agitação política e religiosa atingiu momentos de grande tensão, tendo-se verificado muitas perseguições administrativas e levantado muitos autos judiciais, como foi o caso do célebre pároco de Tadim, João Evangelista Pereira Gomes (e antes de Cambeses – Barcelos) que fugiu destas perseguições para Espanha. Mesmo fugindo para Espanha, não se livrou do auto levantado pelo “Tribunal de Guerra de Braga”, que referia que o padre de Tadim se encontrava ausente e em parte incerta.
Atualmente vivemos no nosso país momentos de total liberdade religiosa, cabendo a todos a obrigação de a manter.

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QOSHE - “O ano mais agitado da Páscoa em...” - Joaquim Da Silva Gomes
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“O ano mais agitado da Páscoa em...”

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31.03.2024

A Páscoa, que é celebrada hoje, constitui uma das principais festas religiosas dos cristãos. Na nossa região, apesar de ter vindo a perder algum impacto, estas celebrações religiosas continuam a movimentar as gentes do Minho, embora centrando-se mais na área comercial e lúdica.Parte superior do formulário
A importância religiosa, mas também social, que a Páscoa exerce sobre os minhotos é bastante significativa. Apesar de ainda existir esta tradição, até há pouco tempo, nos dias anteriores à Páscoa, as famílias reuniam-se com grande dedicação e energia para fazer uma limpeza profunda nas suas casas, enchendo-as de flores para receberem a visita pascal. Era uma oportunidade para mostrarem ao pároco e à sua comitiva o melhor que tinham nas suas habitações, desde as toalhas de linho, aos tapetes, bebidas e doces.

As comunidades também se justavam para procederem a uma grande higienização na igreja paroquial, enchendo-a de toalhas de altar lavadas e muitas flo-res.
Quem percorre o Minho, por esta altura da Páscoa, ainda pode observar vários tapetes de flores à entrada das casas, grupos de familiares junto às habitações, à espera da visita pascal, e ainda o tiritar dos sinos que anuncia a chegada da visita religiosa.
O momento alto deste dia é quando o pároco entra nas habitações, transmitindo a mensagem de ressurreição e de alegria a todos os presentes.
Um dos anos mais tristes da Páscoa em Portugal e especialmente em Braga foi o ano de 1912, altura em que estava ao rubro a tensão entre o Estado e a Igreja. A Páscoa de 1912 foi a primeira realizada após a........

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