A s eleições que se realizaram em Portugal, há uma semana, têm trazido incertezas quanto à garantia de governabilidade no nosso país. Preveem-se combates políticos intensos, terminando assim uma fase de bipartidarismo que vigorou nos primeiros 50 anos de Democracia e iniciando-se uma nova fase, cujo rumo não sabemos muito bem qual será.
As eleições nacionais levam-nos a recuar a outra época, em que a realidade eleitoral era bastante diferente no nosso país. Neste sentido, irei recordar a eleição de um Deputado, para as Cortes nacionais, que ocorreu em Braga, a 15 de agosto de 1875. Concorriam a essas eleições dois Deputados: Lopo Vaz de Sampaio e Melo e o 3.º Conde de Bertiandos, Gonçalo Pereira da Silva de Sousa.

Lopo Vaz de Sampaio e Melo era o candidato do Partido Regenerador e apoiado pelo Governo de então, liderado pelo célebre Fontes Pereira de Melo. Em consonância com o Governo, havia prometido em campanha eleitoral muitas realizações para Braga e para o Minho. Segundo o “Jornal do Minho”, de 16 de agosto de 1875, o candidato passou semanas a “embebedar caceteiros, a comprar homens por empregos, e outros por dinheiro, a assustar estes, a acariciar aquelles, a prometter estações do caminho de ferro, estradas districtaes, resalvas a refractarios, dinheiro aos recenseados…”, tudo para que fosse eleito o seu “Beijamim”!
O Deputado da Oposição ao Governo foi o 3.º Conde de Bertiandos, Gonçalo Pereira da Silva e Sousa, tendo o “Commercio do Minho” (de 17 de agosto de 1875) referido que “Não podia ter melhor aceitação o alvitre de escolher para representante d'este povo um cavalheiro tão considerado entre elle”. O Conde de Bertiandos, que não tinha qualquer passado político que o tornasse suspeito aos olhos dos eleitores, foi bem recebido pela população, considerando os bracarenses tratar-se de uma pessoa com muita dignidade.

As eleições decorreram com a presença de soldados junto às mesas eleitorais e ainda de grupos de populares que intimidavam os eleitores, incentivando-os a votar no candidato apoiado pelo Governo. Para o “Jornal do Minho”, de 16 de agosto de 1875, tratava-se “caceteiros que em noites repetidas invadiam a cidade”. Apesar dos populares denunciarem este grupo ao Governo Civil, de nada valeu porque a “auctoridade convivia e planeava os trabalhos eleitoraes com o mandato dos caceteiros”! (id).
Apesar do contexto vivido neste ato eleitoral, a eleição foi enaltecida e decorreu com mais liberdade que as anteriores, tendo-se assistido a eleitores “que em outras eleições não tinham accesso á urna, porque o argumento de cacete suplantava o de direito”!

O candidato do Governo, num círculo que era composto por oito assembleias de voto, foi derrotado em sete, tendo sido eleito Deputado o Conde de Bertiandos com uma maioria superior a 930 votos! Este obteve 2373 votos contra os 1441 de Lopo Vaz de Sampaio e Melo.
Quando o resultado da eleição foi do conhecimento público, e segundo o “Commercio do Minho”, de 17 de agosto de 1875, os populares dirigiram-se de imediato para a casa dos Biscainhos, local onde residia o Conde, “percorrendo em seguida as ruas da cidade, ouvindo-se por entre hymnos festivaes de bandas de musica, calorosas e enthusiasticas acclamacoes ao actual deputado” eleito pelos bracarenses.

As manifestações de alegria popular iniciaram-se pelas 17 horas desse dia e prolongaram-se até altas horas da noite e as casas da cidade ficaram inclusive “profusamente illuminadas (…) especialmenle as visinhas da casa do nobre conde em frente das quaes era difícil o transito por se acharem n’aquelle recinto apinhadas milhares de pessoas…”!
Mesmo da freguesia de Merelim, com difíceis acessos ao centro da cidade, vieram “duas musicas, grande numero de eleitores, dando vivas até á porta do snr. Conde”. Também a então “Banda dos Artistas” felicitou a eleição do Conde, oferecendo-lhe um hino, cuja letra foi cantada por uma menina mesmo em frente da casa dos Biscainhos!
O “Jornal do Minho”, de 16 de agosto de 1875, felicitou a eleição do Conde de Bertiandos, referindo que “O dia 15 de agosto de 1875 ficará gravado na memória dos vivos, e passará imorredouro aos que tem de vir depois de nós”.
Os festejos populares junto à casa do Conde de Bertiandos foram de tal forma intensos, que até provocaram incidentes. Uma das vítimas foi o filho de José Lopes, que “fôra atropelado na rua dos Biscainhos por um cavalheiro que estouvadamente se dirigia para casa do snr. conde de Bertiandos” (CM, 17 de agosto de 1875).

Esta eleição foi uma demonstração da independência de Braga em relação aos jogos políticos do poder central, que tentou impor um Deputado da sua confiança. Prova-o os “muitos milhares de pessoas que entre musicas, bandeiras, o illuminacoes, percorreram a cidade, victoriando o triumpho a que chamavam do - povo - affirmavaram do modo mais solemne a grandeza dos seus direitos”. Nunca, até estas eleições, Braga tinha dado um sinal de independência e maturidade cívica tão acentuado.
Para o “Jornal do Minho”, de 16 de agosto de 1875, “Um governo que possuisse alguma dignidade, sabendo que o seu escolhido em «reunião solemne de ministros» assim era tratado pelas urnas eleitoraes da terceira cidade do reino, tinha neste momento largado as pastas”.

Com a vitória do Conde de Bertiandos, “Triumphou a moralidade, triumphou a justiça, triumphou o dever, triumphou a honra, triumphou a independencia do povo bracarense”, pois de um lado estava a “ordem e a liberdade” e do outro a “prepotência e o arbítrio”.
Como Deputado, o Conde de Bertiandos confrontou várias vezes o chefe do Governo, Fontes Pereira de Melo, devido ao conflito administrativo entre Braga e Guimarães, e que tinha originado muitos choques entre as autoridades de Guimarães e o Governo Civil de Braga. O Deputado chegou a ser Presidente da Câmara dos Pares entre 1909 e 1910 (por Carta Régia de 25 de fevereiro de 1909).
As eleições de 15 de agosto de 1875 foram uma demonstração de elevação cívica dos eleitores bracarenses, que não se iludiram com as promessas feitas pelo Governo de Fontes Pereira de Melo. Mesmo perante as promessas do Governo e do seu candidato a Deputado, que passavam pela construção de várias estradas no Minho ou pela expansão da linha férrea, que três meses antes tinha sido inaugurada em Braga (a 20 de maio), os bracarenses deram uma lição ao país de independência e de liberdade.

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“A lição que Braga deu nas...”

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17.03.2024

A s eleições que se realizaram em Portugal, há uma semana, têm trazido incertezas quanto à garantia de governabilidade no nosso país. Preveem-se combates políticos intensos, terminando assim uma fase de bipartidarismo que vigorou nos primeiros 50 anos de Democracia e iniciando-se uma nova fase, cujo rumo não sabemos muito bem qual será.
As eleições nacionais levam-nos a recuar a outra época, em que a realidade eleitoral era bastante diferente no nosso país. Neste sentido, irei recordar a eleição de um Deputado, para as Cortes nacionais, que ocorreu em Braga, a 15 de agosto de 1875. Concorriam a essas eleições dois Deputados: Lopo Vaz de Sampaio e Melo e o 3.º Conde de Bertiandos, Gonçalo Pereira da Silva de Sousa.

Lopo Vaz de Sampaio e Melo era o candidato do Partido Regenerador e apoiado pelo Governo de então, liderado pelo célebre Fontes Pereira de Melo. Em consonância com o Governo, havia prometido em campanha eleitoral muitas realizações para Braga e para o Minho. Segundo o “Jornal do Minho”, de 16 de agosto de 1875, o candidato passou semanas a “embebedar caceteiros, a comprar homens por empregos, e outros por dinheiro, a assustar estes, a acariciar aquelles, a prometter estações do caminho de ferro, estradas districtaes, resalvas a refractarios, dinheiro aos recenseados…”, tudo para que fosse eleito o seu “Beijamim”!
O Deputado da Oposição ao Governo foi o 3.º Conde de Bertiandos, Gonçalo Pereira da Silva e Sousa, tendo o “Commercio do Minho” (de 17 de agosto de 1875) referido que “Não podia ter melhor aceitação o alvitre de escolher para representante d'este povo um cavalheiro tão considerado entre elle”. O Conde de Bertiandos,........

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