Na semana passada assistimos a um episódio que marca a legislatura e que demonstrou bem o que nos espera. E o que nos espera não é necessariamente o que o leitor está a antecipar.
Com efeito, vimos e revimos um espetáculo não muito edificante que a generalidade dos comentadores sinalizou e reprovou, tendo mesmo, em alguns casos, havido vozes mais ousadas que aqui anteciparam o início do fim da legislatura.
Não tenho a mesma opinião. Sim, reconheço, o episódio da eleição do Presidente da Assembleia da República não foi dos mais agradáveis e prejudicou o normal andamento dos trabalhos parlamentares, os tais trabalhos que são condição sine qua non para que o Governo tome posse e… governe.
Ainda assim, o que aconteceu na terça e quarta-feira passadas foi um momento clarificador que divide, de modo cristalino, ao que vem cada partido. Centrando-nos nos dois principais, ficou claro que existe uma constância na matriz de atuação do PSD que faz com que os portugueses tenham em Luís Montenegro e em Hugo Soares (presumível líder da bancada parlamentar) um referencial de estabilidade e confiança.
O PSD foi o verdadeiro “adulto na sala”, comportando-se, em todo o processo, com total lisura e transparência. Atuou como sempre tinha feito, respeitando os cânones parlamentares e a dignidade dos demais partidos.
Informou o PS, o Chega e o Iniciativa Liberal de quem seria o seu candidato a Presidente da AR e deu conta que a sua bancada votaria nos candidatos que os outros três partidos indicassem para os lugares de vice-presidentes.
Os seus deputados, em conjunto com os do CDS e da Iniciativa Liberal, foram os únicos que votaram em conformidade com esses pressupostos e em linha com a tradição da Assembleia da República. E assim fizeram antes, durante e depois da crise gerada pelo Chega, mas também pelo PS.
Sim, é preciso assinalar este singelo facto que comprova que o PSD foi o único dos três partidos envolvidos nesta crise que sempre esteve de boa-fé neste processo. Em qualquer das quatro votações assegurou que a sua bancada agia em consonância com o acordado, preservando um reduto mínimo de lealdade e dignidade institucional que quer o PS quer, em maior medida, o Chega não souberam ou não quiseram apresentar.
Brame-se por aí o argumento segundo o qual o PSD devia saber com quem estava a lidar, preparando-se melhor nos bastidores e não confiando que se repetisse o enquadramento do passado, o mesmo passado em que a honra e o bom-nome dos partidos e das pessoas que os representam valiam alguma coisa.
É curiosa essa asserção, porque ela não só desconsidera que até praticamente à hora da primeira votação nada fazia prever o desfecho que ocorreu, mas também porque coloca em cheque o pressuposto de que o PSD deve confiar ao menos no PS para garantir que a normalidade democrática não é desafiada pelas excentricidades e desequilíbrios comportamentais do “adolescente” Chega.
Lembro que o PS é um partido estruturante da democracia portuguesa e, apesar do desrespeito circunstancial pelas convenções parlamentares que já tinha demonstrado em 2015, quando fez eleger Ferro Rodrigues com o apoio da extrema esquerda, apesar de o partido com mais deputados ser o PSD, nada levava a crer que os socialistas roessem agora a corda.
Se foi feio o que o Chega fez, demonstrando a falta de maturidade democrática que se exige ao terceiro maior grupo parlamentar da Assembleia da República, o ato falhado do PS não foi mais bonito.
Com medo de ficar associado a um bloco central virtual que o levasse a conceder a derrota, no primeiro round, na batalha pela liderança da oposição, o PS nivelou(-se) por baixo e preferiu digladiar-se com o Chega no campeonato da irresponsabilidade.
Se os deputados socialistas tivessem votado como praticamente sempre votaram no passado, defendendo os costumes parlamentares e a sã convivência entre partidos (que não têm de anular as suas diferenças para concertarem aspetos procedimentais e de pouco ou nenhum valor programático), o impasse nunca teria acontecido.
Ao ter preferido a tática à substância, em clara contradição com as declarações de Pedro Nuno Santos na noite das eleições, o PS marcou a tónica para este mandato e demonstrou a todos que a sua luta não é pela alternância com o PSD, mas pela não confundibilidade com o Chega.
Se isto não é revelador do que será esta legislatura e de como são o PS e o Chega os que mais dependem de um prolongamento, nem que artificial, da vida útil do governo do PSD e do CDS para terem tempo de mostrar aos eleitores que não há confusão possível entre os dois, apesar das parecenças nos objetivos, então não sei o que será.
O país, esse, só está na cabeça do PSD e do CDS que são os únicos que verdadeiramente dependem do sucesso da governação para assegurar o seu próprio sucesso eleitoral.

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“Políticos de bem”

7 0
02.04.2024

Na semana passada assistimos a um episódio que marca a legislatura e que demonstrou bem o que nos espera. E o que nos espera não é necessariamente o que o leitor está a antecipar.
Com efeito, vimos e revimos um espetáculo não muito edificante que a generalidade dos comentadores sinalizou e reprovou, tendo mesmo, em alguns casos, havido vozes mais ousadas que aqui anteciparam o início do fim da legislatura.
Não tenho a mesma opinião. Sim, reconheço, o episódio da eleição do Presidente da Assembleia da República não foi dos mais agradáveis e prejudicou o normal andamento dos trabalhos parlamentares, os tais trabalhos que são condição sine qua non para que o Governo tome posse e… governe.
Ainda assim, o que aconteceu na terça e quarta-feira passadas foi um momento clarificador que divide, de modo cristalino, ao que vem cada partido. Centrando-nos nos dois principais, ficou claro que existe uma constância na matriz de atuação do PSD que faz com que os portugueses tenham em Luís Montenegro e em Hugo Soares (presumível líder da bancada parlamentar) um referencial de estabilidade e confiança.
O PSD foi o verdadeiro “adulto na sala”, comportando-se, em todo o processo, com total lisura e transparência. Atuou como sempre tinha feito, respeitando os........

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