Olhando para o passado, acreditamos que, dificilmente, tenham existido gerações contendo um número e percentagem de indivíduos tão conscientes quanto as atuais, da distinção reflexiva entre o bem e o mal e o certo e o errado. Infelizmente, tal não tem obstado que a violência continue a grassar no mundo e entre nós. Se bem que, geopoliticamente, apesar dos conflitos atuais, na Ucrânia e na Palestina, tenhamos tido períodos de quase paz global, em alguns dos recentes anos, parece-nos, no entanto, que uma intolerância crescente tem vindo ganhar terreno nas diversas culturas do mundo. Intolerância não só entre culturas distintas, mas, principalmente, entre os indivíduos que partilham uma mesma sociedade e contextos.

Sem querer aventar, aqui, todas as possibilidades – e frustrações, individuais e coletivas – que substantivamente conduzem a tal contexto, a verdade é que o crescimento de radicalismos e de movimentos assentes na intolerância acontecem um pouco por todo o lado. Vejam-se, não só os radicalismos religiosos, mas também o crescente relevo e ascensão ao poder, nas democracias ocidentais, de movimentos cujo comum, mais de uma definição de modelo socioeconómico, é a intolerância. Um dos expoentes máximos podemos ver mesmo aqui, em Portugal, com um movimento político cuja fonte de agregação e identidade não é assente na definição positiva de um modelo socioeconómico e político, mas sim numa expressão negativa, coloquialmente percebida como de censura, repreensão e intolerância. Eventualmente, sinal máximo e radical do fim de uma era, entre nós, de “Português Suave” e “Fado”.

Sendo a Escola uma organização social, sofre o óbvio impacto deste contexto de intolerância/frustração. Impacto que, se visível na relação entre os diversos atores adultos, assume gravidade máxima quando chega às crianças e jovens. Nas escolas, principalmente nos jovens adolescentes, observam-se comportamentos, muitas vezes sibilinos e insidiosos, que demonstram uma agressividade surda em relação ao próximo.
Cientes do impacto que a violência recorrente tem, não só no desenvolvimento correto do ser humano, mas também na sua capacidade de bem-estar presente e futuro, a Escola procura dotar-se de saber, práticas e estruturas que a permitam detetar e combater.

Na deteção, ocorrendo esses fenómenos principalmente entre pares e o seu impacto negativo principalmente consequente à recorrência, torna-se muito difícil a um observador externo e ocasional – por exemplo, um professor – detetá-lo e à sua gravidade. Mas também, quando detetado, a sua resolução não é nem imediata, nem simples, nem fácil, porque fortemente dependente dos indivíduos e contextos específicos. O que num caso é estratégia para a solução, noutro caso poderá ser a fonte do forte agravamento de uma situação. Até porque a origem e –quantas vezes – a solução para um problema interno à escola reside no exterior da mesma.
A essa forma de violência, traduzida em comportamentos agressivos, intencionais e recorrentes, exercidos entre pares de crianças, jovens ou grupos, genericamente assente no desequilíbrio do poder físico, psicológico ou do número de intervenientes, denomina-se, à falta de melhor expressão, bullying.

Embora na maioria dos casos seja clara a separação entre vítima e agressor – o bullier –, outras vezes essa distinção não é assim tão fácil, detetando-se contextos de violência surda mútua. Por exemplo, nas situações de bullying prolongado não detetado, pode suceder que as vítimas encontrem estratégias de resposta, elas próprias assentes numa forma de violência distinta. Assim, o bullying e a sua ilegitimidade devem ser trabalhados na escola. Antes de tudo, porque a consciência do mesmo e a sua identificação podem levar, não só a que as vítimas e terceiros conhecedores o denunciem e o combatam, como os agressores, por confrontados com a realidade das suas ações, as terminem ou mitiguem.

Uma das melhores formas de contrariar, duradouramente, o bullying é, no nosso entender, descentrar o seu combate do binómio vítima/agressor, e centrá-la nos pares. Tornando-os conscientes do papel que poder ter, enquanto defensores do próximo e do bem-estar coletivo.
No entanto, nessa abordagem, é muito importante a não estigmatização do agressor, porque senão poder-se-á estar a fomentar um novo contexto de violência sistemática entre pares, não só tendo como vítima o antes bullier, como reforçando uma crença coletiva – e do bullier – de que a violência é algo legítimo.
Paulatinamente, temos tentado contrariar este quadro no nosso Agrupamento, embora saibamos que o caminho é longo, complexo e para além da simples vontade.

Recentemente, reativamos o H.I.P. Heroic Imagination Project, no AESAS, integrando um projeto internacional, através do Heroic Imagination Portugal e da Universidade Católica do Porto, que visa combater a indiferença social, fomentando atitudes e comportamentos pró-sociais, através da educação para o heroísmo quotidiano. Dado o elevado número de alunos desportistas, criamos, também, uma parceria como Departamento de Futebol de Formação do S.C. Braga, no âmbito da Sua candidatura à Bandeira de Ética.

Em sede da procura de bem-estar dos nossos alunos, temos desenvolvido inúmeras ações, quer conjuntamente com a Escola Segura da P.S.P., em articulação no que concerne à prevenção e combate do cyberbullying, quer com recurso aos nossos serviços internos, que integram atualmente quatro psicólogas, uma assistente social e várias equipas docentes na primeira linha. Acreditamos que foi em conse- quência dessa nossa vontade de implementação e dinamização de um plano de prevenção e combate à violência, em particular ao Bullying e Ciberbullying, que fomos recentemente distinguidos com o "Selo Escola Sem Bullying | Escola Sem Violência”, no último dia 20 de outubro, Dia Mundial do Combate ao Bullying. Práticas que já tinham sido previamente reconhecidas, quer com a atribuição do Selo de Escola Saudável, quer, principalmente, com atribuição do Selo “Escola SaudávelMente”, por parte da Ordem do Psicólogos, reconhecendo e distinguindo as escolas cujas políticas e práticas educativas demonstram um compromisso forte e efetivo com a promoção do desenvolvimento (cognitivo, emocional, social e de carreira), da aprendizagem, da inclusão e da saúde psicológica de toda a comunidade educativa.

Mas, embora estes reconhecimentos nos deem ânimo, por si só não resolvem os problemas crescentes que se deparam à escola atual. A resolução terá de advir sempre, caso a caso, do empenho de todos – profissionais, família, pares e agentes da sociedade –, necessariamente munidos do imprescindível bom senso e bem querer a todas – mas todas – as crianças e jovens envolvidas.

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““Bullying””

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11.12.2023

Olhando para o passado, acreditamos que, dificilmente, tenham existido gerações contendo um número e percentagem de indivíduos tão conscientes quanto as atuais, da distinção reflexiva entre o bem e o mal e o certo e o errado. Infelizmente, tal não tem obstado que a violência continue a grassar no mundo e entre nós. Se bem que, geopoliticamente, apesar dos conflitos atuais, na Ucrânia e na Palestina, tenhamos tido períodos de quase paz global, em alguns dos recentes anos, parece-nos, no entanto, que uma intolerância crescente tem vindo ganhar terreno nas diversas culturas do mundo. Intolerância não só entre culturas distintas, mas, principalmente, entre os indivíduos que partilham uma mesma sociedade e contextos.

Sem querer aventar, aqui, todas as possibilidades – e frustrações, individuais e coletivas – que substantivamente conduzem a tal contexto, a verdade é que o crescimento de radicalismos e de movimentos assentes na intolerância acontecem um pouco por todo o lado. Vejam-se, não só os radicalismos religiosos, mas também o crescente relevo e ascensão ao poder, nas democracias ocidentais, de movimentos cujo comum, mais de uma definição de modelo socioeconómico, é a intolerância. Um dos expoentes máximos podemos ver mesmo aqui, em Portugal, com um movimento político cuja fonte de agregação e identidade não é assente na definição positiva de um modelo socioeconómico e político, mas sim numa expressão negativa, coloquialmente percebida como de censura, repreensão e intolerância. Eventualmente, sinal máximo e radical do fim de uma era, entre nós, de “Português Suave” e “Fado”.

Sendo a Escola uma organização social, sofre o óbvio impacto deste contexto de intolerância/frustração. Impacto que, se visível na relação entre os diversos........

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