Espero que te encontres bem e já em grande azáfama. Estou hoje, sentado a uma janela, bem pertinho do vidro que começa a ficar embaciado. Está frio lá fora, mas não neva, para grande pena minha. Gostava tanto que nevasse este ano! Começo a desenhar no vidro da minha janela um pinheiro. Um pinheiro bem alto que quase me faz cair de tanto me esticar. Lá em cima, bem no cimo, desenho uma estrela. Queria tanto que ela brilhasse para mim! Mas não só agora, não só hoje, mas para sempre, sempre. Claro que queria que ela brilhasse para todos os meninos e meninas que morrem nas guerras que estão tão próximas de nós. Eu sei, eu estou tão preocupado comigo e com as minhas tristezas que nem imagino quantos meninos e meninas sofrem tanto neste mundo por causa da guerra. Quando não morrem, mesmo! Às vezes também me apetecia morrer, desaparecer, fugir da minha escola. Por isso estou aqui, desenhando estrelas, muitas estrelas neste meu pinheiro de Natal. Cada uma por cada menino ou menina que tem morrido na guerra. A minha janela não vai dar para tantas estrelas e o meu pinheiro vai ficar mesmo iluminado. São tantos! Por isso as minhas tristezas nem se comparam às deles. Mas eu estou muito triste, sim. Mesmo triste! Vou soprando para a minha janela, para que continue a embaciar e possa agora fazer muitas bolas de Natal. Por cada bola de Natal, uma mensagem para a minha escola. Aquela escola que eu tanto sonhei, para onde ía e continuo a ir cheio de sonhos e de vontade de aprender. Aquela escola que devia ser o palco da minha vida, que me ajudasse a brilhar. Aquela escola, de infinita sabedoria, onde estariam todas as respostas para as minhas dúvidas. Pudesse eu tê-las, claro! Aquela escola… onde os professores também não estariam em guerra. Também aqui ouço dizer: os professores estão em guerra. Com o governo, com os ministros, com os colegas, entre eles e contra eles. E eu aqui, sentado à minha janela, desenhando muitas bolas de Natal. Porque também a escola, os professores, estão em guerra. Entre eles, e comigo. Sim, comigo. Apaguei tudo o que fiz. Com muita força. Que nenhuma bola de Natal seja entregue, que nenhuma estrela brilhe, que o meu pinheiro desapareça. Lágrimas escorrem-me pela minha cara. De tristeza e de raiva. Sabes Pai Natal? Vai, vai para outras bandas também. Na minha sala, com os meus professores, com os meus colegas, tudo é tão difícil! E já não vale a pena. Se falo, é porque falo muito. Se respondo certo é porque sou prepotente. Se me rio, é porque estou muito feliz na escola. Se choro é porque algo se passa em casa. Se me mexo é porque não estou atento. Se erro alguma vez, é porque não estudo nada. Se tenho boas notas melhor seriam se estudasse. Se tenho más notas é o resultado de me achar muito bom. Se não gosto de escrever é como se não soubesse nada. As minhas notas serão o resultado não do que eu sei, mas do que o professor quer que eu saiba. Sabes, Pai Natal? Há muitos professores que “acham” muitas coisas. “Eu acho que este menino não deve…”. Eu acho. Muito interessante esta teoria do achismo. Devia dar um livro. Os professores continuam a “achar” em vez de estudar. Procurar respostas diferentes, perceber os contextos, ler resultados de investigação sérios, credíveis, e a não acreditarem simplesmente no seu senso comum. Tão longe do bom senso! O senso sério, justo, em constante atualização, que nunca utiliza a palavra “acho”, muito menos “eu acho”. Em educação não devíamos ter certezas. Antes, muitas dúvidas. Que, paulatinamente, passo a passo, na dependência de tantos fatores, ajudariam a procurar a melhor forma de estar e ser em educação. Sempre no nosso superior interesse. Frases feitas, afinal. Enfim… as minhas lágrimas foram secando, a minha raiva desaparecendo, a minha tristeza foi-se esfumando. Mas a minha janela voltou a estar embaciada. Sopro mais duas ou três vezes! E lá no alto, a estrela que a tanto custo tinha desenhado continua a brilhar. Foste tu Pai Natal. Foste tu que não me lembraste de a apagar. Porquê Pai Natal? Para me lembrares daqueles professores que estão disponíveis para mim? Para me lembrares daqueles professores que aplaudem os meus conhecimentos? Para me lembrares daqueles professores que veem o meu esforço? Para me lembrares daqueles professores que me ensinam coisas novas todos os dias? Para me lembrares daqueles professores que acreditam em mim? Para me lembrares daqueles professores que me levam a brilhar? Para me lembrares daqueles professores que fazem dos meus dias sempre dias felizes? Oh… boa Pai Natal. Obrigado, mesmo. Volto a desenhar a minha árvore de Natal na janela, soprando lentamente para que o embaciado não se apague. Já não terá bolas de Natal com mensagens para a minha escola. Já não é necessário. Desenho novamente muitas estrelas, muitas… tantas quantas os meninos e as meninas que morrem nas guerras. E lá fora a neve começa a cair!

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“Querido Pai Natal”

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05.12.2023

Espero que te encontres bem e já em grande azáfama. Estou hoje, sentado a uma janela, bem pertinho do vidro que começa a ficar embaciado. Está frio lá fora, mas não neva, para grande pena minha. Gostava tanto que nevasse este ano! Começo a desenhar no vidro da minha janela um pinheiro. Um pinheiro bem alto que quase me faz cair de tanto me esticar. Lá em cima, bem no cimo, desenho uma estrela. Queria tanto que ela brilhasse para mim! Mas não só agora, não só hoje, mas para sempre, sempre. Claro que queria que ela brilhasse para todos os meninos e meninas que morrem nas guerras que estão tão próximas de nós. Eu sei, eu estou tão preocupado comigo e com as minhas tristezas que nem imagino quantos meninos e meninas sofrem tanto neste mundo por causa da guerra. Quando não morrem, mesmo! Às vezes também me apetecia morrer, desaparecer, fugir da minha escola. Por isso estou aqui, desenhando estrelas, muitas estrelas neste meu pinheiro de Natal. Cada uma por cada menino ou menina que tem morrido na guerra. A minha janela não vai dar para tantas estrelas e o meu pinheiro vai ficar mesmo iluminado. São tantos! Por isso as minhas tristezas nem se comparam às deles. Mas eu estou muito triste, sim. Mesmo triste! Vou soprando para a minha janela, para que continue a embaciar e possa agora fazer........

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