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A nova guerra na América Latina não é por território, é por fluxos

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14.12.2025

A América Latina não vive uma sucessão de crises isoladas. Vive a consolidação de um novo regime de poder, no qual não é mais necessário derrubar governos para governar sociedades. Basta interromper fluxos vitais, modular o cotidiano e transformar a exceção em normalidade. Este artigo oferece uma chave inédita para compreender o presente histórico do continente, os conflitos que se acumulam sem explodir e o papel decisivo do Brasil e de Lula na contenção estratégica das tensões que atravessam o Sul Global.

Quando o controle dos fluxos substitui a tomada do Estado

Durante décadas, o poder político na América Latina foi analisado a partir de uma gramática relativamente estável: golpes de Estado, eleições disputadas, quarteladas, intervenções diretas. Essa gramática envelheceu. O que se consolida hoje no continente é um regime de poder que não precisa derrubar governos para governar sociedades. Ele opera em um plano mais profundo, material e silencioso: o controle dos fluxos que sustentam a vida social.

Energia, mobilidade, trabalho, segurança e informação deixaram de ser apenas políticas públicas e passaram a funcionar como alavancas de disciplinamento coletivo. Quando esses fluxos são interrompidos, encarecidos ou tornados instáveis, a sociedade inteira é empurrada para um estado permanente de vulnerabilidade. O cotidiano se desorganiza, a previsibilidade desaparece e a política passa a ser vivida como gestão do medo, não como escolha.

Esse deslocamento explica por que a exceção deixou de ser um momento extraordinário e passou a ser um modo normal de governo. Não se decreta o colapso; administra-se a escassez. Não se fecha o regime; esvazia-se sua capacidade de agir. A soberania formal permanece, mas a soberania material é corroída.

O controle dos fluxos, portanto, substitui a tomada do Estado porque é mais barato, mais eficaz e menos visível. Ele não produz mártires imediatos, mas produz sociedades cansadas, fragmentadas e politicamente desarmadas. É nesse terreno que o conflito contemporâneo se desloca — e é a partir dele que a América Latina precisa ser compreendida.

A América Latina como laboratório do poder por interdição

A América Latina não atravessa uma sequência caótica de crises nacionais desconectadas. Ela se converteu, nas últimas décadas, em um laboratório privilegiado de formas contemporâneas de dominação, onde o poder opera sem precisar assumir a forma clássica da ocupação, do golpe ou da ditadura explícita. O que se observa é a disseminação de um mesmo método, adaptado a contextos distintos, mas guiado por uma lógica comum: governar pela instabilidade administrada.

Nesse regime, a violência não aparece necessariamente como ruptura abrupta, mas como condição permanente do cotidiano. Rodovias tornam-se zonas de risco, o trabalho perde previsibilidade, a energia oscila, a segurança deixa de ser um direito e passa a ser um privilégio intermitente. As instituições continuam funcionando, eleições ocorrem, discursos democráticos são mantidos, mas a vida social se organiza sob a sensação constante de bloqueio, ameaça e exceção. Governa-se menos por decisões explícitas e mais pela incapacidade estrutural de garantir normalidade.

Essa é a marca do governo indireto. O poder não se afirma pela presença ostensiva, mas pela retirada seletiva. Retira-se proteção, retira-se investimento, retira-se previsibilidade. O Estado não é destruído; ele é esvaziado em seus pontos vitais. A consequência é uma sociedade politicamente paralisada, obrigada a negociar sua sobrevivência diária em vez de disputar projetos de futuro.

É por isso que a América Latina se torna central para compreender o presente histórico. Aqui, mais do que em qualquer outra região, a dominação se exerce sem........

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