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Conheci Abdel Latif Hassan Abdel Latif, médico palestino e membro do Comitê Campinas de Solidariedade ao Povo Palestino na sede do Correio Popular, jornal aqui de Campinas para o qual advogo.

O doutor Abdel estava acompanhado de Ali El Khatib, conhecido militante da causa palestina e da jovem advogada Fayruz El Khatib, ambos ligados ao “Instituto de Cultura Árabe Jerusalém do Brasil”, conheço o Ali há pelo menos quatro décadas

A visita foi motivada pelo conflito entre palestinos e Estado de Israel, que tomou proporções terríveis após o ataque do Hamas a civis israelenses.

A conversa desenvolveu-se por mais de uma hora, foi uma honra estar presente e ouvir o testemunho do doutor Abdel. Ele nos disse: “conflitos são patologias sociais” e que “O que a grande mídia mostra é sintoma: violência. Esconde as causas reais do conflito” e, agradecendo a oportunidade de visitar o único jornal de Campinas, uma cidade de quase 1,3 milhão de habitantes, ressaltou que o papel do jornalismo é mostrar as causas da violência, os fatos, para que as pessoas possam compreender e, a partir daí, contribuir para a solução.

Ficou clara a perspectiva do doutor Abdel quando ele afirmou: “A causa do conflito não é religiosa e nada tem a ver com a Bíblia e narrativas de milhares de anos atrás. Isso é falácia. Ninguém que razoe acredita nisso e essa narrativa de propaganda e desinformação não traz luz e atrapalha a resolução do conflito e o fim da violência”.

Sobre o ataque do Hamas ele acredita que a violência é uma espiral e que há uma opressão do mais forte, no caso Israel, e quando o oprimido reage, a história, narrada pelo vencedor, apenas foca a violência da resistência e a classifica como terrorista e injusta, ele exemplifica dizendo: “Foi assim com os nativos da América, com os negros nos quilombos, vietnamitas etc. Com os palestinos, não é diferente”, por isso seria fundamental “entender o que causa a violência, sem adjetivos, nem preconceitos, ouvindo a narrativa dos fatos e assim, cotejando narrativas e provas, descobrir a verdade encoberta pela propagando e até talvez colaborarmos para uma solução justa”.

A origem do conflito é o sionismo, o que é reconhecido por muitos israelenses.

O sionismo é doutrina e prática colonialista, que prega e implementou a criação de um Estado judeu em um território habitado por uma maioria árabe, de fé muçulmana, cristã e judaica.

O sionismo teve início no final do século XIX, e nunca foi um movimento religioso, seu objetivo era criar um Estado para um povo sem terra – os judeus – para que pudessem estar a salvo das perseguições que sofreram.

O sionismo é uma ideologia ou doutrina que se funda no colonialismo, no racismo e no fascismo. Os judeus do final do século XIX reagiram à proposta sionista, por inúmeras razões e, pelo meu olhar o sionismo desconsiderou que a Palestina era ocupada e o mundo parece ignorar que sempre houve desejo de “se livrar dos nativos árabes”, como disse Abdel, e para isso promoveram em 1948 a violenta expulsão de 85% dos palestinos de sua terra, para a construção de Israel, criando o problema palestino – “nakba”, ou seja, refugiados, miséria e violência.

Inegavelmente Israel, não os judeus, mas o sionismo e os sionistas são uma máquina de limpeza que nunca parou e ainda está em curso, para expulsar os palestinos da Cisjordânia e Gaza

A partilha da Palestina pela resolução ONU em 1947 propunha a criação de um Estado árabe e outro judeu, destinando 53% da Palestina aos judeus estrangeiros que ali chegavam, especialmente fugindo do nazismo, mas, segundo Abdel, a ONU “não ouviu os palestinos e não levou em consideração que então, mais de 90% das terras eram dos árabes e apenas 5,6% dos judeus e que a população árabe era muito superior à judaica, recém-chegada”.

As mentiras do sionismo.

A primeira mentira do sionismo foi propor “Uma terra sem povo, para um povo sem terra”. A terra era habitada, construída e cultivada pelos nativos palestinos.

A segunda mentira é dizer que os palestinos abandonaram suas casas e terras voluntariamente, o que ocorreu foram expulsões violentas, basta que lembremos dos massacres de Deir Yassin, Tantura, dentre muitos outros.

A história do Estado de Israel, que não se confunde com a Israel da Bíblia. O Estado de Israel é uma sucessão de mitos, que já estão sendo desmascarados pelos próprios novos historiadores israelenses, como Tom Segev, Morris, Ilan Pape, Avi Schlaim, Chomsky etc.

Com a guerra de 1948, Israel não apenas expulsou 85% dos palestinos, destruindo mais de 500 localidades palestinas, como se apossou violentamente, e contra o Direito Internacional, de 78% da Palestina histórica.

Israel, violando o Direito internacional, não admite a volta dos refugiados palestinos.

Em 1967, com mais uma guerra, Israel passa a ocupar a totalidade da Palestina, e pedaços dos países vizinhos e instala o regime de apartheid (“nishul” - desapropriação em hebraico) sobre Cisjordânia e Gaza.

Em relação a esses territórios, Gaza e Cisjordânia, que representam 22% da Palestina histórica e seriam destinados a ser o Estado Palestino (Acordo de Oslo 1993), Israel inviabilizou a possibilidade do Estado Palestino e, portanto, acabou com a solução de dois Estados.

Ao construir centenas de assentamentos e instalar mais de 500 mil colonos no coração da Cisjordânia, privando os palestinos do direito de ir e vir dentro do seu território e estrangulando a economia palestina, e de forma intencional – inviabilizar a vida dos palestinos, para que deixem Jerusalém oriental, Cisjordânia e pior, transformar Gaza em campo de concentração, não há mais solução, exceto a do Estado único.

Segundo Abdel “Bantustões não deram certo no apartheid da África do Sul e só agravarão o conflito no Oriente Médio”; os “bantustões” foram pseudoestados de base tribal criados pelo regime do apartheid na África do Sul, de forma a manter os negros fora dos bairros e terras brancas, mas suficientemente perto delas para servirem de fontes de mão-de-obra barata.

Mais um mito de Israel é se autodenominar uma democracia. Não é.

Os palestinos, que conseguiram permanecer ali em 1948 e que, em tese, tem cidadania israelense e representam 20% dos cidadãos israelenses, foram e ainda são expropriados de suas terras (“ausentes presentes”) e por não serem judeus, não podem usar, alugar, comprar as terras (90%), alocadas exclusivamente para judeus. Israel é uma etnocracia!

É o país que mais tem condenações da ONU, mesmo assim, nunca é punido e conta com o silêncio do mundo. E, segundo Abdel: “Os palestinos não fazem parte do clube vip da humanidade e assim, para Israel, deveriam ser boas vítimas, caladas e sem resistência. Mas o Direito internacional assegura aos povos sob ocupação, e, portanto, os palestinos de Gaza e Cisjordânia, à resistir, de todas as formas, inclusive com uso de violência”.

Isso porque é sabido que historicamente o poder colonial sempre usa de violência, para se impor seus privilégios à maioria nativa.

Por isso, americanos usaram de violência para se libertar da colonização inglesa; argelinos da francesa, africanos, vietnamitas etc.

Na realidade, o que há hoje é o Estado único, porém não democrático. Assim, a possibilidade de fim de violência é uma solução justa para aqueles povos, um Estado laico, com direitos e deveres iguais a todos, independentemente de etnia, religião, gênero etc.

É possível? Sim, é possível! Na África do Sul, outro experimento colonialista, o apartheid encerrou com a “verdade e reconciliação”. É necessária vontade política e pressão internacional para que a potência ocupante respeite as resoluções do Direito internacional, como ocorreu na África do Sul.

A propaganda de que é impossível só interessa ao complexo industrial bélico, que domina os Estados Unidos, financiador de Israel e infelizmente, a Israel, vez que seu maior produto de exportação são armamentos e tecnologia de repressão, ou seja, de dominação através do sofrimento do outro.

Não é possível que se aceite um Estado supremacista judeu. Isso era repugnante na África do Sul e igualmente deve ser combatido em Israel.

A verdade, justiça, reconciliação e democracia, de fato, vão reduzir o faturamento da indústria bélica, mas são o único caminho para a humanidade ser humana!

O doutor Abdel acredita que a “luta pela liberdade não tem nacionalidade e as novas gerações de todo o mundo são menos cooptados pela propaganda sionista e estadunidense”; ele acredita que o povo palestino é oprimido pelo colonialismo desde antes da Grande Guerra e está cada vez mais difícil ao sionismo esconder seus erros e excessos.

Num dado momento do encontro o doutor Abdel Latif, com a voz embargada, ao responder um questionamento afirmou que o objetivo do sionismo é completar a limpeza étnica iniciada em 1948 e “deixar a Palestina sem palestinos”.

Contudo, um paradoxo divino revelou esperança e ele completa: “o mundo mudou, os tempos são diferentes, Israel não vai conseguir o que quer; nessas 4 semanas, matou mais de dez mil palestinos, feriu outros vinte e cinco mil e a maioria das vítimas são crianças, destruiu... está fazendo o que sabe fazer e o que faz há setenta e cinco anos: destruir não apenas casas, mas, principalmente, a esperança daquele povo, não vão conseguir, pois, o palestino tem o nome daquela terra, que tem cinco mil anos, Israel tem apenas setenta e cinco”. Ele conclui nossa emocionada e emocionante conversa dizendo, com lágrimas nos olhos e a voz embargada: “enquanto esperávamos para esse nosso encontro ou estava ouvindo uma conferência de crianças de Gaza, algo emocionante... crianças que escaparam dos ataques do exército sionista, crianças de oito anos falando um inglês perfeito, disseram ‘nós queremos o que toda criança quer, estudar e crescer’; levar a mensagem dessa criança é obrigação de todos, a gente não pode se curvar frente aos poderosos, a gente não pode se calar frente às injustiças e o nosso sonho, como o sonho de todos é paz, fundada na verdade e na justiça”.

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Palestina: testemunho de Abdel Latif Hassan Abdel Latif

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12.11.2023

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A visita foi motivada pelo conflito entre palestinos e Estado de Israel, que tomou proporções terríveis após o ataque do Hamas a civis israelenses.

A conversa desenvolveu-se por mais de uma hora, foi uma honra estar presente e ouvir o testemunho do doutor Abdel. Ele nos disse: “conflitos são patologias sociais” e que “O que a grande mídia mostra é sintoma: violência. Esconde as causas reais do conflito” e, agradecendo a oportunidade de visitar o único jornal de Campinas, uma cidade de quase 1,3 milhão de habitantes, ressaltou que o papel do jornalismo é mostrar as causas da violência, os fatos, para que as pessoas possam compreender e, a partir daí, contribuir para a solução.

Ficou clara a perspectiva do doutor Abdel quando ele afirmou: “A causa do conflito não é religiosa e nada tem a ver com a Bíblia e narrativas de milhares de anos atrás. Isso é falácia. Ninguém que razoe acredita nisso e essa narrativa de propaganda e desinformação não traz luz e atrapalha a resolução do conflito e o fim da violência”.

Sobre o ataque do Hamas ele acredita que a violência é uma espiral e que há uma opressão do mais forte, no caso Israel, e quando o oprimido reage, a história, narrada pelo vencedor, apenas foca a violência da resistência e a classifica como terrorista e injusta, ele exemplifica dizendo: “Foi assim com os nativos da América, com os negros nos quilombos, vietnamitas etc. Com os palestinos, não é diferente”, por isso seria fundamental “entender o que causa a violência, sem adjetivos, nem preconceitos, ouvindo a narrativa dos fatos e assim, cotejando narrativas e provas, descobrir a verdade encoberta pela propagando e até talvez colaborarmos para uma solução justa”.

A origem do conflito é o sionismo, o que é reconhecido por muitos israelenses.

O sionismo é doutrina e prática colonialista, que prega e implementou a criação de um Estado judeu em um território habitado por uma maioria árabe, de fé muçulmana, cristã e judaica.

O sionismo teve início no final do século XIX, e nunca foi um movimento religioso, seu objetivo era criar um........

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