✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Testemunhamos ao redor do mundo as democracias constitucionais em permanente ataque, são tempos em que populistas de direita e extrema-direita como Viktor Orbán, Edorgan, Bolsonaro, Netanyahu, Trump e agora Milei, desafiam a institucionalidade.

Esses personagens desafiam o funcionamento das instituições democráticas, buscam descredibilizá-las frente a população de seus países, sem apontar qualquer caminho que não seja a acumulação de poderes em si próprios, mas se comunicam muito bem pelas redes sociais.

Muita gente não percebeu ainda que a consequência disso tudo é o risco à sobrevivência dos direitos fundamentais e da própria democracia.

Os jovens que têm 20, 30 ou 40 anos viveram a ditadura militar, nem mesmo os seus estertores como a minha geração; não comemoraram o nascimento de um partido de esquerda livre das amarras do stalinismo, do maoismo, do trotskismo e de outros tantos “ismos”; não votaram nas eleições para governador em 1982; não celebraram a refundação de um partido socialista; não debateram calorosamente a urgência de uma constituinte exclusiva; não choraram a derrota da Emenda Dante de Oliveira em 1984; não estavam por aqui quando Tancredo Neves morreu e Sarney tornou-se presidente, logo ele, dissidente da ARENA – partido que apoiou a ditadura militar; não compreendem o significado histórico e político da instalação da Assembleia Constituinte ou da CF de 1988, apresentada por Ulisses Guimarães como a “constituição cidadã”; não viveram a inflação, a sua estabilização e a desestatização predatória de Collor e FHC; não viveram os governos Lula I e II e eram adolescentes quando das marchas de junho de 2013 e da Avant Première da série de terror chamada “Lava-Jato, convicções e certezas absolutas”, produzida com dinheiro público e exibida em rede nacional de TV no horário nobre.

Por tudo isso, não compreendem que relativizar o caos vocalizado pela extrema-direita é um erro com serias consequências, pois, relativizar, banalizar ou normalizar o mal que representam, tudo em nome de mudança, como na Argentina, ou de uma moralidade hipócrita, como no Brasil, é banalizar o caos, o mal e interromper a marcha civilizatória.

Ignorar o mal que a extrema-direita representa e causa, significa apostar na ruptura da democracia, sendo que, sem democracia, não há direitos, não há segurança e não há progresso econômico e social, salvo para aqueles que se submetam a ser canonizadores do próprio mal, bajuladores da incivilidade e para os que usam, sem constrangimento, o nome de Deus em vão.

Argentina a caminho da autocracia?

O presidente da Argentina, Javier Milei, enviou ao Congresso um pacote de medidas que, pela extensão, impacto, regime de tramitação e conteúdo, só pode ser qualificado como autoritário; é uma miscelânea, pois, o Projeto de Lei tem 351 páginas e 664 artigos, modifica mais de 50 leis em vigor, e o presidente espera que seja discutido e aprovado até 25 de janeiro.

Em circunstâncias normais, essas medidas tramitariam em separado, permitindo apreciação cuidadosa pelo Congresso, já que o impacto de cada uma é grande.

O pacote, porém, as coloca todas num único Projeto de Lei agregador, apelidado de Lei Omnibus, com apreciação extremamente acelerada, que o governo espera que se conclua em apenas um mês.

Dada a abrangência colossal, será impossível discuti-lo com propriedade — além do que já foi mencionado, ele muda a fórmula de correção das aposentadorias (os pobres sempre pagam a conta na lógica liberal), os trâmites para pedidos de divórcio, concede perdão a dívidas tributárias (os ricos sempre recebem privilégios) e toma dezenas de outras providências.

Será que o objetivo foi inundar o Congresso com tantas medidas, que devem ser apreciadas em curto espaço de tempo, para que nada consiga ser discutido com propriedade?

O mais preocupante: propõe seja colocado em marcha um mecanismo que confere ao Executivo amplos poderes para legislar por decreto, sob o pretexto de emergência múltipla.

Milei, para tristeza e desespero de Montesquieu, quer ter o poder de legislar, o que, apesar da previsão constitucional para casos de emergência pública, é um problema, pois o anarcocapitalista quer que tais poderes sejam usados como regra e não apenas em situações excepcionais e de emergência. Ele pretende usar esses poderes “em matéria econômica, financeira, fiscal, previdenciária, de segurança, defesa, tarifária, energética, sanitária, administrativa e social” pelo período de dois anos, prorrogáveis por mais dois, o que cobriria todo o seu mandato, ou seja, o presidente argentino quer amplos poderes para governar sem precisar do Congresso.

Qual o nome daqueles que não querem prestar contas à institucionalidade?

O projeto também inclui uma ampla reforma do sistema político argentino, com a extinção das prévias eleitorais (em que os eleitores indicam os candidatos dos partidos) e uma drástica reforma no sistema de eleição dos deputados, que deixaria de ser proporcional e passaria a ser majoritário. No sistema proporcional, a representação é distribuída proporcionalmente de acordo com os votos que os partidos e coalizões obtiveram numa região, como nas eleições para deputado no Brasil, em que parlamentares de um mesmo estado podem ser de vários partidos.

No sistema majoritário, a representação vai apenas para o partido mais votado, como nas eleições para senador no Brasil.

Com a implementação da eleição majoritária para a Câmara argentina, Milei pretende dominá-la rapidamente, já nas próximas eleições — supondo que consiga aprovar a reforma e, em dois anos, reproduza a maioria de votos nas regiões em que venceu as eleições presidenciais.

A incapacidade de conviver com protestos faz com que seu governo empregue medidas duras contra os protestos de rua; a ministra de Segurança Pública, Patricia Bullrich, que representa a turma do Macri no governo, adotou um protocolo para a polícia que permite prender em flagrante quem bloquear ruas ou a entrada de empresas e transfere os custos das operações de segurança às organizações que convocaram os protestos e a ministra do Capital Humano, Sandra Pettovello, anunciou que retirará os auxílios sociais (semelhantes ao nosso Bolsa Família) de quem participar de bloqueios de rua.

Muitas ameaças.

No projeto da Lei Omnibus, Milei modifica o Código Penal, ampliando em mais dois anos as penas de prisão para quem bloquear ruas e os organizadores de protestos também passam a ser solidariamente responsáveis se qualquer manifestante provocar algum dano; e o projeto introduz limitações ao direito de protesto, exigindo que manifestações sejam comunicadas com antecedência ao Ministério da Segurança, que pode propor outra data, horário e lugar ou opor-se à realização, “com base em questões relativas à segurança das pessoas ou à segurança nacional”.

O início do governo Milei não é nada bom, começou com um decreto gigantesco, de constitucionalidade duvidosa, que atropelou o Legislativo, agora vem esse projeto de lei Omnibus, ainda mais amplo, que lhe dá poderes para governar por decreto, muda as regras das eleições para deputados e limita o direito de manifestação. O projeto inclui medidas em tantas matérias diferentes, que deve causar em todos uma multiplicidade de sentimentos.

Durante a campanha, Milei reiteradamente assustou o eleitorado com o fantasma econômico da Venezuela, contudo, o PL Omnibus aproxima a Argentina do regime de Maduro no sentido político.

Qual o caminho?

Milei, Bolsonaro e Trump, exemplares detritos do chorume da extrema-direita, foram eleitos pelo voto. Esse deve ser o ponto de partida para qualquer reflexão honesta.

Na minha modestíssima opinião, que vive no universo da minha irrelevância, o único caminho é a POLÍTICA.

Esses detritos devem ser combatidos através da Política; temos que conversar com todos que ainda não perceberam que, dentre as consequências das ações da extrema-direita, há risco à sobrevivência dos direitos fundamentais e da própria democracia; temos que conversar, especialmente, com os jovens, porque eles não viveram a ditadura militar, nem mesmo os seus estertores como a minha geração; não comemoraram o nascimento de um partido de esquerda em 1980, um partido livre das amarras do stalinismo, do maoismo, do trotskismo e de outros tantos “ismos”; não votaram nas eleições para governador em 1982; não debateram calorosamente a urgência de uma constituinte exclusiva; não choraram a derrota da Emenda Dante de Oliveira em 1984; não estavam por aqui quando Tancredo Neves morreu e Sarney tornou-se presidente, logo ele, dissidente da ARENA – partido que apoiou a ditadura militar; não compreendem o significado histórico e político da instalação da Assembleia Constituinte ou da CF de 1988, apresentada por Ulisses Guimarães como a “constituição cidadã”; não viveram a inflação, a sua estabilização e a desestatização predatória de Collor e FHC; não viveram os governos Lula I e II e eram adolescentes quando das marchas de junho de 2013 (início de toda a mentira que vivemos na Politica hoje) e da Avant Première da série “Lava-Jato, convicções e certezas absolutas”, produzida com dinheiro público e exibida em rede nacional de TV no horário nobre.

Por isso tudo eles não compreendem que relativizar o caos representado pela extrema-direita é um erro com serias consequências; não percebem que relativizar, banalizar ou normalizar a barbárie dos neofascistas, em nome de uma moralidade hipócrita, é o caos, o mal e o fim da marcha civilizatória; parecem não saber que romper com a democracia é renunciar a direitos, que sem democracia não há segurança e não há progresso econômico e social, salvo para aqueles que se submetam a ser canonizadores do próprio mal, bajuladores da incivilidade que usam, sem constrangimento, mas com muito fingimento, o nome de Deus em vão.

A premissa que trago à reflexão é a seguinte: “a democracia liberal é o pior dos regimes políticos, mas não há nenhum sistema melhor que ela”, essa frase seria de Winston Churchill, não sei se é, mas serve como ponto de partida.

Fato é que, sem democracia não há progresso individual, social e econômico e nem a possibilidade de sonharmos com uma sociedade justa e de iguais.

Por isso, como nunca, voltar a fazer e falar de política para além das bolhas.

Mano Brown, durante a apuração dos votos que decretou a derrota de Haddad e Manuela d’Avila para a extrema-direita em 2018, disse verdades inconvenientes, foi vaiado; pois como ele próprio disse durante as vaias que recebia: “falar bem do PT para a torcida do PT é fácil, tem uma multidão que não está aqui e precisa ser conquistada, ou a gente vai cair num precipício (...) o que mata a gente é a cegueira e o fanatismo, deixou de entender o povão já era; se nós somos o partido dos trabalhadores, partido do povo, tem que entender o que o povo quer, se não sabe volta para a base e vai procurar saber...”. Esse é o caminho, pois, ao governo cabe governar, aos partidos e militantes cabe fazer política: nas escolas, no trabalho, no clube, nas reuniões de família, no futebol etc., pois somos militantes; somos militantes da democracia e pela democracia, pois, sem ela não há Estado de Direito; sem democracia a nossa vida estaria condicionada aos humores do arbítrio.

Eu disse outro dia numa entrevista que nós advogados temos que estudar muito, mas temos também que praticar a “democracia militante”, que é uma teoria desenvolvida pelo alemão Karl Leowenstein, mais um Karl, na qual ele descreve mecanismos jurídicos capazes de restringir a participação de grupos, movimentos e partidos antidemocráticos no processo político-eleitoral.

Por que é importante falarmos sobre isso? Porque atualmente as democracias não são atacadas por tanques de guerra, são corroídas pela ação insidiosa de líderes como Bolsonaro, eleitos pelo voto, que relativizam a democracia e as instituições.

No Brasil, a narrativa emancipatória da Constituição de 1988 e seus valores sofreram severo ataque de Bolsonaro e dos grupos autoritários e corruptos que o apoiam, todos sedentos por poder, alimentados por mentiras e ungidos por uma demoníaca Teologia da Prosperidade.

Por isso a advocacia precisa: (a) difundir a teoria de Loewenstein; (b) agregá-la ou seu dia a dia; (c) aprender a evitar o “paradoxo da tolerância”. O que é o “paradoxo da tolerância”? Segundo Karl Popper, mais um Karl, quem dá vida e sobrevida a gente como Bolsonaro é a nossa tolerância. Explicando: segundo Popper, a sociedade não pode ser tolerante com gente intolerante, nem banalizar o mal que o intolerante semeia, pois, em agindo assim, corre-se o risco de que o intolerante, uma vez instalado no poder, elimine a própria tolerância.

A “democracia militante” defende que não devem sequer participar de eleições os políticos e partidos políticos que não se coadunem com o regime democrático. A preocupação de Loewenstein à época, e deveria ser a nossa hoje, era de que a participação de políticos e de partidos com evidentes características totalitárias poderia levar à derrocada do próprio regime democrático, foi o que aconteceu por lá com Hitler.

Lembremos: Hitler não alcançou o poder em virtude de um golpe de Estado ou de maneira violenta, mas, com o Partido Nazista ele participou da disputa democrática e foi alçado ao cargo de líder (führer) com o apoio majoritário da população alemã.

E desde o início de sua campanha eleitoral, Hitler já expunha ideias totalitárias e dava sinais de que não respeitaria as regras democráticas, assim como Bolsonaro por aqui.

A “democracia militante” prega que o regime democrático tenha mecanismos para evitar que agentes políticos com ideais totalitários de poder, como Orbán, Edorgan, Bolsonaro, Trump e agora Milei, utilizem instrumentos democráticos para chegar ao poder, como fez Hitler.

Bolsonaro defende a ditadura de 1964, a tortura, torturadores, ditadores, golpes de Estado e a morte de “uns 30 mil” brasileiros, não teria chegado ao poder se esses mecanismos existissem e Milei tem uma vice-presidente que nega os crimes da ditadura argentina.

Penso que, à mingua de mecanismos de democracia militante o STF tem aplicado a teoria de Loewenstein, decidindo sempre em defesa da democracia, sem tolerar os não democratas.

Ser de direita, de centro ou de esquerda faz parte do “jogo” da democracia, mas não pode ser tolerada na quadra da política gente como Orbán, Edorgan, Bolsonaro, Trump e Milei, dentre outros, pois ao tolerá-los “democraticamente”, estamos criando corvos e, como dizem: crea cuervos y ellos arreglan tus ojos.

Essas são as reflexões.

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

QOSHE - Cría cuervos, y te sacarán los ojos - Pedro Benedito Maciel Neto
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

Cría cuervos, y te sacarán los ojos

9 0
03.01.2024

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Testemunhamos ao redor do mundo as democracias constitucionais em permanente ataque, são tempos em que populistas de direita e extrema-direita como Viktor Orbán, Edorgan, Bolsonaro, Netanyahu, Trump e agora Milei, desafiam a institucionalidade.

Esses personagens desafiam o funcionamento das instituições democráticas, buscam descredibilizá-las frente a população de seus países, sem apontar qualquer caminho que não seja a acumulação de poderes em si próprios, mas se comunicam muito bem pelas redes sociais.

Muita gente não percebeu ainda que a consequência disso tudo é o risco à sobrevivência dos direitos fundamentais e da própria democracia.

Os jovens que têm 20, 30 ou 40 anos viveram a ditadura militar, nem mesmo os seus estertores como a minha geração; não comemoraram o nascimento de um partido de esquerda livre das amarras do stalinismo, do maoismo, do trotskismo e de outros tantos “ismos”; não votaram nas eleições para governador em 1982; não celebraram a refundação de um partido socialista; não debateram calorosamente a urgência de uma constituinte exclusiva; não choraram a derrota da Emenda Dante de Oliveira em 1984; não estavam por aqui quando Tancredo Neves morreu e Sarney tornou-se presidente, logo ele, dissidente da ARENA – partido que apoiou a ditadura militar; não compreendem o significado histórico e político da instalação da Assembleia Constituinte ou da CF de 1988, apresentada por Ulisses Guimarães como a “constituição cidadã”; não viveram a inflação, a sua estabilização e a desestatização predatória de Collor e FHC; não viveram os governos Lula I e II e eram adolescentes quando das marchas de junho de 2013 e da Avant Première da série de terror chamada “Lava-Jato, convicções e certezas absolutas”, produzida com dinheiro público e exibida em rede nacional de TV no horário nobre.

Por tudo isso, não compreendem que relativizar o caos vocalizado pela extrema-direita é um erro com serias consequências, pois, relativizar, banalizar ou normalizar o mal que representam, tudo em nome de mudança, como na Argentina, ou de uma moralidade hipócrita, como no Brasil, é banalizar o caos, o mal e interromper a marcha civilizatória.

Ignorar o mal que a extrema-direita representa e causa, significa apostar na ruptura da democracia, sendo que, sem democracia, não há direitos, não há segurança e não há progresso econômico e social, salvo para aqueles que se submetam a ser canonizadores do próprio mal, bajuladores da incivilidade e para os que usam, sem constrangimento, o nome de Deus em vão.

Argentina a caminho da autocracia?

O presidente da Argentina, Javier Milei, enviou ao Congresso um pacote de medidas que, pela extensão, impacto, regime de tramitação e conteúdo, só pode ser qualificado como autoritário; é uma miscelânea, pois, o Projeto de Lei tem 351 páginas e 664 artigos, modifica mais de 50 leis em vigor, e o presidente espera que seja discutido e aprovado até 25 de janeiro.

Em circunstâncias normais, essas medidas tramitariam em separado, permitindo apreciação cuidadosa pelo Congresso, já que o impacto de cada uma é grande.

O pacote, porém, as coloca todas num único Projeto de Lei agregador, apelidado de Lei Omnibus, com apreciação extremamente acelerada, que o governo espera que se conclua em apenas um mês.

Dada a abrangência colossal, será impossível discuti-lo com propriedade — além do que já foi mencionado, ele muda a fórmula de correção das aposentadorias (os pobres sempre pagam a conta na lógica liberal), os trâmites para pedidos de divórcio, concede perdão a dívidas tributárias (os ricos sempre recebem privilégios) e toma dezenas de outras providências.........

© Brasil 247


Get it on Google Play