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A 3a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4a. Região julgará nos próximos dias uma das ações mais importantes que envolvem a soberania nacional. É a ação popular ajuizada pelo ex-prefeito de Chapecó Luciano José Buligon para anular a transferência do controle acionário da maior fábrica de celulose do Brasil, a Eldorado S/A, para a C.A. Investment S/A, que é uma empresa constituída em território nacional, mas que é controlada por uma empresa estrangeira, a Paper Excellence, controlada pela família Widjaja, da Indonésia.

Com a transferência, nada menos do que 450 mil hectares de terras brasileiras passariam para o domínio estrangeiro, o equivalente a cinco vezes a área urbana de São Paulo e nove vezes a do Distrito Federal. Em 249 mil hectares são plantados eucaliptos, matéria-prima da celulose. O restante é área de proteção permanente, obrigatória por lei.

Em decisão liminar na ação movida pelo ex-prefeito de Chapecó, o desembargador Rogério Favreto proibiu a transferência das ações em poder da J&F, de Joesley e Wesley Batista, enquanto a C.A. Investment não apresentar autorização do Incra e do Congresso Nacional.

O mérito da ação é que deve ser julgado nos próximos dias e seu resultado pode frear um movimento que procura legalizar a desnacionalização da propriedade rural brasileira, que, surpreendentemente, tem apoio de uma parte dos proprietários de terra, interessados no ganho imediato com a valorização do preço das fazendas.

Foi certamente por isso que o procurador regional Fábio Nesi Venzon, do TRF-4, elaborou um parecer de 35 páginas em que deixa claro que a venda de terras não é um negócio como outro qualquer, como a constituição de uma fábrica de carros, por exemplo, ou de computadores.

"É cediço que a soberania nacional é exercida sobre um dado território, portanto o elemento territorial é essencial à perfectibilização da mesma. O controle de grandes porções do território nacional, de forma direta ou indiretamente (por interpostas pessoas), na mão de estrangeiros termina por colocar em risco a soberania nacional", pontuou.

Nesi Venzon defende a manutenção da decisão tomada alguns meses atrás em caráter liminar pelo desembargador Favreto. "Nesse sentido, especificamente em relação ao poder econômico, a Constituição Federal se preocupou em deixar bem claro que está submetido à soberania nacional, como se verifica do seu art. 170, inciso I".

Ou seja, a livre iniciativa empresarial é assegurada pela Constituição, mas está condicionada à soberania, e o uso de grandes extensões de terra para atividade econômica só pode ficar nas mãos de estrangeiros se houver autorização expressa dos poderes republicanos. No caso, o Executivo, através do Incra, e o Legislativo, por meio do Congresso Nacional.

O procurador regional Nesi Venzon refutou as alegações apresentadas pelo grupo indonésio para derrubar a ação na Justiça Federal. Os advogados da Paper argumentaram que o foro de Chapecó não era competente para o processo, já que a sede da Eldorado é em Três Lagoas, Mato Grosso do Sul, e também que a ação popular não seria o instrumento jurídico próprio para contestar o negócio.

A Paper também questionou a constitucionalidade da lei invocada, a 5.709/1971, dado que a Carta Magna, de 1988, estabeleceu que todas as empresas estabelecidas em território nacional estão condicionadas a seguir as obrigações da legislação brasileira referentes aos aspectos trabalhistas, ambientais e tributários e que, portanto, as empresas brasileiras de capital estrangeiro devem ter tratamento isonômico com as de capital nacional.

O procurador regional lembrou que a soberania pertence ao povo e que, portanto, a ação popular é, sim, o meio adequado. Sobre o foro, questões de soberania podem ser objeto de ação em qualquer lugar do território nacional. Ele não cita, mas, na ação, o ex-prefeito relata que representantes da Eldorado estiveram na região de Chapecó, em Santa Catarina, prospectando terras para comprar ou arrendar.

Por fim, a questão constitucional. A Constituição, efetivamente, prevê tratamento isonômico para as empresas de capital estrangeiro. Porém, tanto estas como as empresas de capital nacional estão submetidas a um princípio maior, expresso no artigo 170, inciso I da Lei Maior:

"A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional"

Xeque.

Como lembra o procurador, a venda de terras a estrangeiros é um tema que preocupa o Brasil, desde o Império, com a imposição de normas restritivas. A propósito, ele cita um julgamento de 2004, no Superior Tribunal de Justiça, num caso de usucapião de terras por estrangeiros, relatado pela ministra Nancy Andrighi.

O julgamento considerou constitucional a lei de 1971.

"Como bem ponderou a relatora em seu voto, a questão dos autos revela a preocupação antiga do legislador com a proteção e a integridade do território nacional, elemento essencial da soberania dos Estados nacionais modernos, e que sempre teve uma maior complexidade num país de dimensões continentais, como é o Estado brasileiro".

O julgamento da ação popular no TRF-4 pode reverter o movimento que teve eco em setores do sistema de justiça desde a Lava Jato: o ataque à atividade econômica nacional. No governo de Michel Temer, o Congresso Nacional começou a discutir uma lei para chancelar a venda de terras a estrangeiros.

Certamente não foi coincidência que, após deixar a presidência, Temer foi contratado justamente pela Paper Excellence para prestar consultoria na área jurídica. Os tempos mudaram, e o entreguismo, disfarçado com discurso de modernidade, já não encontra o mesmo solo fértil de antes.

A ação no TRF-4 sobre a venda da Eldorado, com a liminar de Favreto e o parecer do procurador regional Nesi Venzon, divulgado no último dia 5 de dezembro, sinaliza essa mudança. A palavra em alta hoje no mundo é soberania.

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Por que a venda de terras a estrangeiros é hoje um dos temas mais importantes em discussão no Brasil

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07.12.2023

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A 3a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4a. Região julgará nos próximos dias uma das ações mais importantes que envolvem a soberania nacional. É a ação popular ajuizada pelo ex-prefeito de Chapecó Luciano José Buligon para anular a transferência do controle acionário da maior fábrica de celulose do Brasil, a Eldorado S/A, para a C.A. Investment S/A, que é uma empresa constituída em território nacional, mas que é controlada por uma empresa estrangeira, a Paper Excellence, controlada pela família Widjaja, da Indonésia.

Com a transferência, nada menos do que 450 mil hectares de terras brasileiras passariam para o domínio estrangeiro, o equivalente a cinco vezes a área urbana de São Paulo e nove vezes a do Distrito Federal. Em 249 mil hectares são plantados eucaliptos, matéria-prima da celulose. O restante é área de proteção permanente, obrigatória por lei.

Em decisão liminar na ação movida pelo ex-prefeito de Chapecó, o desembargador Rogério Favreto proibiu a transferência das ações em poder da J&F, de Joesley e Wesley Batista, enquanto a C.A. Investment não apresentar autorização do Incra e do Congresso Nacional.

O mérito da ação é que deve ser julgado nos próximos dias e seu resultado pode frear um movimento que procura legalizar a desnacionalização da propriedade rural brasileira, que, surpreendentemente, tem apoio de uma parte dos proprietários de terra, interessados no ganho imediato com a valorização do preço das fazendas.

Foi certamente por isso que o procurador........

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