'Mercado de valores', por Diogo Luís

O futebol e o desporto em geral têm algo de único e inexplicável. Rapidamente se passa do oito ao oitenta. Um dia, uma equipa, um treinador ou um jogador são assobiados ou apupados e, noutro, os mesmos intervenientes são aplaudidos e idolatrados. Os sentimentos estão sempre à flor da pele. Por estes motivos, quem gere (treinadores ou administrações) tem de ser racional e ponderado. É fundamental ter um caminho bem definido, com linhas orientadoras que permitam tomar as melhores decisões possíveis. Como em todos os negócios, no futebol, é fundamental que se perceba o contexto micro e macro que se está a atravessar e ter flexibilidade para se fazerem ajustes durante o caminho.

O Benfica está a atravessar o melhor momento na presente temporada. Seis vitórias consecutivas nas quais foram marcados 17 golos e apenas quatro foram consentidos. Os triunfos trazem confiança, para jogadores e adeptos, e validam o processo. Estava tudo mal anteriormente? Está tudo perfeito agora? A resposta é: não. Mas então o que é que mudou? Na minha opinião, um conjunto de fatores contribuíram para a equipa encarnada apresentar, hoje, um futebol mais alegre. Em primeiro lugar, Roger Schmidt mudou a sua abordagem ao jogo. O ano passado, o Benfica era caraterizado por ser uma equipa ultra pressionante, que tentava condicionar os adversários na saída de bola. Este ano, RS tentou jogar da mesma forma, mas, com jogadores com caraterísticas diferentes, não estava a resultar. Assim sendo, o treinador encarnado optou por baixar a sua zona de pressão, de forma a que os adversários possam subir as suas linhas e assim ficar com espaço para explorar a profundidade nas costas das defesas adversárias. Em simultâneo, ao encolher a equipa, torna-a mais junta e consegue camuflar o problema da transição defensiva, que existe desde o início da época. Com esta abordagem, conseguiu esconder um dos seus pontos fracos (transição defensiva) e explorar um dos seus pontos fortes (velocidade e capacidade de desmarcação de Rafa). O segundo ponto que permitiu ao Benfica voltar a ter exibições mais consistentes tem a ver com a ousadia dos adversários. A partir de certo momento, os adversários do Benfica pensaram que podiam jogar de igual para igual, por a equipa encarnada estar a atravessar um mau momento. Assim, sobem as linhas, querem pressionar alto, jogando muitas vezes com as suas defesas sobre a linha do meio campo, permitindo que o Benfica tenha todo o meio campo ofensivo para poder explorar. Quem tem jogadores como João Neves, Kokçu, João Mário, Di María para servir e Rafa para se movimentar, as coisas ficam mais fáceis. Ao perderem o respeito pelo Benfica os adversários estão a colocar-se a jeito. Em igualdade, e com jogos partidos, ganha quem tem mais qualidade e jogadores decisivos.

Rafa a desequilibrar, Trubin a segurar e João Neves a equilibrar, têm sido os jogadores mais importantes e influentes no Benfica. Destaco João Neves porque é incrível a sua evolução, o seu crescimento, a sua maturidade e a sua qualidade de jogo. Se é verdade que o facto da equipa do Benfica definir uma zona de pressão mais baixa ajuda a esconder um dos grandes problemas que o coletivo tem, não é menos verdade que João Neves, por si só, também resolve muitos dos problemas da equipa. Apesar de baixa estatura, é enorme no relvado: intenso nos duelos, lê bem o jogo, tem enorme qualidade e personalidade na saída de bola, compensa maus posicionamentos dos colegas com uma enorme capacidade de deslocação e agressividade no relvado. Por fim tem algo que não é fácil de encontrar. Não se acomoda, continua focado e concentrado, dá tudo e cria uma enorme empatia com os adeptos que se revêm no seu comportamento. Ganhou o seu espaço por mérito próprio e está cada vez mais a ganhar uma vaga no Euro 2024, pela qualidade que, semana após semana, apresenta.

Arthur Cabral tem vindo a melhorar as suas exibições. Ponto assente que nunca questionei a qualidade de Arthur Cabral. Questionei sim o perfil da contratação, porque as características do jogador brasileiro não encaixavam na forma de jogar de Roger Schmidt. A contratação de Marcos Leonardo é uma prova de como a administração encarnada e o seu treinador também duvidavam da capacidade de Arthur Cabral para fazer a diferença. Ninguém investe 18M€ num avançado em janeiro se tiver três que lhe dão garantias. Ninguém bate a cláusula de rescisão de um jogador que está num clube com margem negocial reduzida (Santos) por ter descido de divisão, se tiver confiança nos atletas que estão nos seus quadros. As últimas exibições de Arthur Cabral vieram provar algo que tenho abordado há muito tempo: o Benfica tem jogadores de enorme qualidade mas tem de jogar de acordo com as suas caraterísticas. Não se pode substituir um jogador que tem determinadas caraterísticas por outro diferente e pensar que tudo vai funcionar. Aliás, Kokçu é outra contratação encarnada que tem o perfil ideal mas que ainda não conseguiu demonstrar todo o seu valor. Por que acontece isto? Porque, possivelmente, não está a jogar na posição correta! Como exemplo maior, basta analisar o Real Madrid de Ancelotti. Com Benzema jogava de uma forma e sem Benzema joga de outra. Ancelotti não correu o risco de colocar um jogador no lugar de Benzema e manter tudo intacto. Pelo contrário, criou uma dinâmica ofensiva que potencia os jogadores que tem à disposição. A tal flexibilidade e adaptação que são fundamentais no futebol! Porto ou Braga Estamos na última jornada da primeira volta e a quatro meses do fim da época. Ainda há muito por lutar. Hoje joga-se um Porto-Braga. Tendo em conta o contexto destas duas equipas, o jogo de hoje pode ser muito mais do que uma disputa por três pontos. Se empatarem, ficam, respetivamente, a 7 e 9 pontos do líder. Se o Porto perder ficará a 8 e o Braga mantém os 7 pontos de atraso. Se o Braga perder, ficará a 10 pontos e a luta ficará, definitivamente, entregue aos três grandes. Comecei o artigo a referir que passamos do oito ao oitenta com muita facilidade. Depois de uma bela Liga dos Campeões, o Braga corre o risco de, no fim da primeira volta, estar com os mesmos pontos que o seu grande rival, o Vitória. Do lado dos dragões, não existe outro resultado possível que não seja alcançar os três pontos, para poder dar seguimento ao bom jogo efetuado contra o Estoril e para manter a distância pontual dos rivais, depois de já ter deixado cair a Taça da Liga. A realidade é que ainda irão existir muitos obstáculos para todos até ao fim do campeonato. A luta vai ser dura. O vencedor será aquele que for mais consistente, que tenha a capacidade de não se deixar afetar pela euforia e que consiga ter a flexibilidade necessária para se adaptar às dificuldades que irá encontrar pela frente.

Bernardo Silva. Bernardo é um jogador mágico. Conhece o jogo como poucos. Ontem voltou a brindar a liga inglesa com um golo incrível, que vale a pena ver e rever, num jogo de grau de dificuldade elevado.

SC Braga. Numa semana importante, não se conseguiu impor. Um empate frente ao grande rival, o Vitória, e a eliminação da Taça de Portugal frente ao Benfica. Por estes motivos, o jogo de hoje frente ao Porto ganha uma dimensão adicional.

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Da depressão à euforia

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14.01.2024

'Mercado de valores', por Diogo Luís

O futebol e o desporto em geral têm algo de único e inexplicável. Rapidamente se passa do oito ao oitenta. Um dia, uma equipa, um treinador ou um jogador são assobiados ou apupados e, noutro, os mesmos intervenientes são aplaudidos e idolatrados. Os sentimentos estão sempre à flor da pele. Por estes motivos, quem gere (treinadores ou administrações) tem de ser racional e ponderado. É fundamental ter um caminho bem definido, com linhas orientadoras que permitam tomar as melhores decisões possíveis. Como em todos os negócios, no futebol, é fundamental que se perceba o contexto micro e macro que se está a atravessar e ter flexibilidade para se fazerem ajustes durante o caminho.

O Benfica está a atravessar o melhor momento na presente temporada. Seis vitórias consecutivas nas quais foram marcados 17 golos e apenas quatro foram consentidos. Os triunfos trazem confiança, para jogadores e adeptos, e validam o processo. Estava tudo mal anteriormente? Está tudo perfeito agora? A resposta é: não. Mas então o que é que mudou? Na minha opinião, um conjunto de fatores contribuíram para a equipa encarnada apresentar, hoje, um futebol mais alegre. Em primeiro lugar, Roger Schmidt mudou a sua abordagem ao jogo. O ano passado, o Benfica era caraterizado por ser uma equipa ultra pressionante, que tentava condicionar os adversários na saída de bola. Este ano, RS tentou jogar da mesma forma, mas, com jogadores com caraterísticas diferentes, não estava a resultar. Assim sendo, o treinador encarnado optou por baixar a sua zona de pressão, de forma a que os adversários possam subir as suas linhas e assim ficar com espaço para explorar a profundidade nas costas das defesas adversárias. Em simultâneo, ao encolher a equipa, torna-a mais junta e consegue camuflar o problema........

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