A Educação tende a ser vista muitas vezes como um espaço cultural conservador, que demora a integrar a inovação, os novos conteúdos e as novas metodologias. Ao contrário, o chamado ensino informal, liberto dos constrangimentos legais que o ensino formal tem de respeitar, é ágil e responde em tempo útil às demandas da sociedade.

Convidado pelo Dr. Josier Vilar, inspirador e dinamizador da Iniciativa FIS, uma estrutura que se apresenta como sendo “o maior Ecossistema de lideranças da Saúde da América Latina, tendo como objetivo transformar o setor através da geração e da distribuição de conteúdo” na área da saúde, participei no passado dia 9 num debate com o tema “Educação em Transformação: Navegando nas novas tendências de ensino”, onde tive a agradável companhia de quatro debatedores: Bernard Caffé, Lucas Passos, Rodrigo Junqueira, Sílvio Pessanha Neto, moderados excecionalmente pela Silvia Naidin.

Que a Educação se encontra, sempre, em transformação, é uma verdade que não carece de demonstração. Que essas mudanças se centram, hoje, em grande medida, em novas tendências, sobretudo, tecnológicas, também é algo quase do senso comum. O que nos importa, para ir ao âmago dos desafios que se colocam, é problematizar estas verdades inevitáveis e compreender como elas nos ajudam, ou não, a resolver as falhas que o ensino apresenta.

Facilmente se representam as capacidades das tecnologias da informação e dos meios remotos como forma para suprir as falhas do sistema de Ensino. Seja no Ensino Fundamental e Médio, seja no Ensino Superior, o uso de tecnologias aparece como forma de contrariar o desalento, a desistência e as fragilidades da formação. Se o sistema e, especialmente, os professores são fracos, então as tecnologias farão o milagre.

Mas, sem negar as capacidades imensas, mas não infindáveis, das tecnologias, a realidade é mais complexa e desafiante. Não é automático que seja no uso de tecnologias que se possa mudar significativamente o quadro do ensino, seja como forma de colmatar as falhas do ensino formal, seja dando corpo a cursos profissionalizantes e técnicos fora da certificação do ensino formal.

Centremos a problematização na segunda modalidade, onde duas ordens de problemas devemos colocar em cima da mesa. Por um lado, será a formação mais técnica, com um cariz profissionalizante, capaz de minorar a fragilidade do ensino fundamental e médio? Por outro lado, deverão os jovens abandonar a ideia, o sonho, de fazer um curso superior em detrimento de fazer um curso intensivo, técnico e profissionalizar que lhes permita uma inserção imediata no mercado de trabalho?

O uso, para seja significativo e implique um salto qualitativo por parte de quem usa as tecnologias, implica uma proficiência base em termos de capacidade de pensamento, em termos de literacia. Um jovem com uma formação escolar deficitária apenas irá maquilhar as suas fragilidades com a aquisição de capacidades de natureza mais técnica e profissionalizante que, possivelmente, lhe darão a ilusão momentânea de sucesso. Esse jovem não é, de facto, capacitado. Ele adquire competências para determinadas tarefas. Mas pouco cresceu em termos intelectuais.

Mas mais, esse jovem, que até se torna um excelente profissional porque optou por um curso intensivo sobre uma ferramenta técnica, terá capacidade para se requalificar quando essa ferramenta, que ele aprendeu a usar num curso breve, intensivo, se tornar obsoleta ou o empregador já dele não necessite?

Tornado um bom cumpridor de tarefas, um bom assalariado que cumpre objetivos de produtividade, o jovem engana-se julgando manter para toda a vida o ritmo do sprinter que a cada nova tecnologia se pode adaptar e manter eternamente na crista da inovação.

Assim, desaguamos naquela que, para mim, é a questão central que deve ser colocada num debate sobre ensino e inovação: o que entendemos, quer sobre o que é o Ensino, quer sobre para que serve o Ensino.

E, perante estas duas questões que devem ser fundantes de qualquer pensamento prospetivo sobre o Ensino, sobre qualquer reflexão que não se esvaia na superficialidade e nas mais imediatas questões e índices de produtividade, a essência do ensino deve vir ao de cima. Uma coisa é a capacitação para tarefas, regra geral, conducentes a produtividade. Outra, bem diferente, mas que potencia a anterior, é a aquisição de competências de natureza mais sólida, menos prática, sim, mas construtoras de um conhecimento e da capacidade de usar esse conhecimento de forma transformadora. É para esta segunda dimensão que serve o Ensino Universitário.

A capacidade crítica, a vida de mundo, o conhecer a realidade fora do pequeno mundinho de cada um, é a principal formação a adquiri numa instituição de ensino superior. A Universidade serve para isso: para dar capacidades, não técnicas, mas de vivência, de saberes cognitivos e relacionais. A Universidade não serve para fazer bons técnicos. Um bom aluno da Universidade será, também, bom técnico. Mas será, sobretudo, bom em pensamento, em resolução de problemas complexos, em solidez intelectual, em capacidade para criar e ler o mundo no seu global.

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Educação em Transformação: salvação ou engano? A vertigem dos desafios que se colocam ao Ensino Superior no Brasil

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27.11.2023

A Educação tende a ser vista muitas vezes como um espaço cultural conservador, que demora a integrar a inovação, os novos conteúdos e as novas metodologias. Ao contrário, o chamado ensino informal, liberto dos constrangimentos legais que o ensino formal tem de respeitar, é ágil e responde em tempo útil às demandas da sociedade.

Convidado pelo Dr. Josier Vilar, inspirador e dinamizador da Iniciativa FIS, uma estrutura que se apresenta como sendo “o maior Ecossistema de lideranças da Saúde da América Latina, tendo como objetivo transformar o setor através da geração e da distribuição de conteúdo” na área da saúde, participei no passado dia 9 num debate com o tema “Educação em Transformação: Navegando nas novas tendências de ensino”, onde tive a agradável companhia de quatro debatedores: Bernard Caffé, Lucas Passos, Rodrigo Junqueira, Sílvio Pessanha Neto, moderados excecionalmente pela Silvia Naidin.

Que a Educação se encontra, sempre, em transformação, é uma verdade que não carece de demonstração. Que essas mudanças se centram, hoje, em grande medida, em novas tendências, sobretudo, tecnológicas, também é algo quase do senso comum. O que nos importa, para ir ao âmago dos desafios que se colocam, é problematizar estas verdades inevitáveis e compreender como elas nos ajudam, ou não, a resolver as falhas que o ensino apresenta.

Facilmente se representam as........

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