As montadoras têm anunciado investimentos grandes. A primeira reação de muita gente, a deste jornalista inclusive, é de ligeiro otimismo, dado o atoleiro em que o país se meteu desde 2014. Mas, por melhor que seja a perspectiva, não é bem assim.

Para começar com o mais "pop", dificilmente se trata de recorde. Pelos números compilados pela Anfavea, a associação das montadoras, os investimentos anunciados para os anos que vão de 2021 a 2032 chegam a pouco mais de R$ 116 bilhões.

Até aqui, "...o período do programa Inovar-Auto [de subsídios federais], de 2012 a 2018, era o de maior volume de aportes, com R$ 85 bilhões", também de investimentos anunciados, lê-se em nota da Anfavea.

Como não se sabe quanto foi o investimento em cada ano de 2012 a 2018, fica difícil corrigir valores pela inflação e compará-los com os anúncios atuais.

Mesmo que se suponha que aqueles R$ 85 bilhões tenham sido investidos todos em 2018, o valor corrigido seria pelo menos similar ao valor anunciado agora (R$ 116 bilhões). Como algum investimento foi feito antes entre 2012 e 2017, o valor daquele "ciclo", de resto mais curto, é bem maior do que o do atual.

Algumas empresas dizem que os subsídios federais do programa Mover, para atualização tecnológica "verde", animaram parte do plano de investir. Subsídio é o assunto central.

Em preços de hoje, o valor dos investimentos anunciados para 2021-2032 seria de R$ 9,7 bilhões por ano, na média. No caso do setor automotivo, a Receita Federal prevê perda de receita por renúncia de impostos ("gasto tributário") de R$ 9,64 bilhões neste 2024.

Em 2012, começou o Inovar-Auto. Desde então até 2023, o valor dos subsídios federais diretos, corrigido pela inflação, foi de R$ 73,8 bilhões. Média de R$ 6,2 bilhões por ano, se as estimativas de gasto tributário da Receita estavam corretas.

Esses são apenas subsídios federais diretos. Não entra na conta a renúncia de impostos estaduais. Como se sabe, estados abrem mão de receita a fim de atrair fábricas, com resultado econômico e social no mínimo controverso. Pode haver ainda subsídios implícitos em empréstimos a juros camaradas de bancos estatais. Em suma, o valor do subsídio vai bem além do gasto tributário federal.

Em uma conta pouco inteligente, alguém poderia dizer que o dinheiro que entra por uma porta, sai pela outra: o valor previsto de subsídios federais para o setor automotivo neste ano é similar ao da média anual de investimentos prevista para os anos de 2021 a 2032.

Mais

Também não é bem assim, até porque as montadoras acabam por pagar impostos. Com subsídio menor ou nenhum, o investimento poderia ser menor ou nenhum. Não sabemos. Esse é um problema. Não é o único.

O grosso dos subsídios federais tem ido para regiões menos industrializadas, de infraestrutura inadequada etc. Assim, o investimento pode ser feito não com base no retorno do negócio, mas no retorno que leva em conta rendas oferecidas pelo governo (federal, estaduais). Pode bem ser um investimento menos produtivo, uso ineficiente de capital, o que dá em menos crescimento.

Precisamos tentar saber sempre se há uso alternativo mais produtivo para qualquer gasto, "gasto tributário" também.

De resto, não sabemos se, com tais subsídios e proteções contra importação (tarifárias), estamos evitando o aumento de eficiência via especialização e ganhos de escala em certos produtos.

Precisamos de mais estudos econômicos, técnicos e difíceis. Para completa-los, é preciso saber qual seria a estratégia dessas empresas diante de impostos e tarifas diferentes, além de uma estimativa do que será do tamanho do mercado brasileiro e mundial.

A conversa eufórica de recorde não quer dizer nada, é fácil perceber.

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O bom investimento das montadoras não é recorde, entre outros problemas

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08.03.2024

As montadoras têm anunciado investimentos grandes. A primeira reação de muita gente, a deste jornalista inclusive, é de ligeiro otimismo, dado o atoleiro em que o país se meteu desde 2014. Mas, por melhor que seja a perspectiva, não é bem assim.

Para começar com o mais "pop", dificilmente se trata de recorde. Pelos números compilados pela Anfavea, a associação das montadoras, os investimentos anunciados para os anos que vão de 2021 a 2032 chegam a pouco mais de R$ 116 bilhões.

Até aqui, "...o período do programa Inovar-Auto [de subsídios federais], de 2012 a 2018, era o de maior volume de aportes, com R$ 85 bilhões", também de investimentos anunciados, lê-se em nota da Anfavea.

Como não se sabe quanto foi o investimento em cada ano de 2012 a 2018, fica difícil corrigir valores pela inflação e compará-los com os anúncios atuais.

Mesmo que se suponha que aqueles R$ 85 bilhões tenham sido investidos todos em 2018, o valor corrigido seria pelo menos similar ao valor anunciado agora (R$ 116 bilhões). Como algum investimento foi feito antes entre 2012 e 2017, o valor daquele "ciclo", de resto mais curto, é bem maior do que o do atual.

Algumas empresas dizem que os subsídios federais do programa Mover, para atualização........

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