O "que está acontecendo nos Estados Unidos... explica dois terços do que está acontecendo no Brasil", disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre o dólar a R$ 5,27.

Uma estatística meio simples e os motivos visíveis para um dólar mais caro indicam que a hipótese de Haddad é razoável. O fato de o governo ter afrouxado a meta de contenção da dívida pública talvez seja um fator menor do dólar a R$ 5,27.

É possível argumentar também que o fato de Lula 3 ter reduzido suas metas de controle do gasto significa apenas um reconhecimento oficial, ainda otimista, de que a dívida pública vai aumentar mais do que o governo previa, o que estava nas contas de quase todo mundo.

Nada disso refresca a situação, porém.

Primeiro, haverá estragos porque as taxas de juros nos EUA vão permanecer altas por mais tempo do que se previa. Quando essa nuvem vai se dissipar? Julho? Setembro? No Natal? Quanto mais tempo, pior o efeito sobre juros e inflação daqui. Taxas de juros mais altas sobre uma dívida pública maior e relaxada vão acelerar o ritmo de aumento da dívida.

Segundo, Lula 3 não fez apenas uma adaptação "realista" das metas de controle de gasto. Adiou o objetivo de ter despesas menores do que receitas, no futuro próximo, sem indicar alternativa de contenção de despesa, agora ou em futuro mais distante.

Terceiro, até as previsões do governo mostram que o teto móvel de Lula 3 vai passar em breve pelo mesmo problema do teto rígido de gastos de Michel Temer. O teto móvel de Lula permite aumento anual de gastos de até 2,5% além da inflação.

Mas certas despesas crescerão mais do que outras, além do ritmo permitido pelo teto geral: Previdência, saúde, educação, por exemplo. O dinheiro para pagar outras contas, como a de investimento em obras e o custeio da máquina, será achatado até o insuportável, em termos práticos e políticos.

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O que se vai fazer? Talvez gambiarra: dizer que certas despesas ficarão fora do teto ou não serão contadas na meta de saldo primário. Mas tanto faz a contabilidade: a dívida aumentará. Ou, então, o teto móvel de Lula, o "arcabouço fiscal", irá para o vinagre oficialmente. Em fins de 2026?

Quarto, a maioria do governo e Congresso não parecem preocupados.

O Congresso tira receita do governo, com favores para empresas ou prefeituras pequenas. Querem baixar a conta de luz com mais gasto. Os estados querem perdão de dívida com o governo federal, com apoio no Senado. Quer-se vincular despesa militar ao aumento da receita do governo, piorando o problema de crescimento do gasto obrigatório. Etc.

Nota: cerca de 91% do gasto do governo é obrigatório ou inevitável; 81% vai para INSS, pessoal, Bolsa Família, seguro-desemprego, saúde e educação.

A impressão de que o teto de Lula 3 irá para o vinagre faz com que os donos do dinheiro cobrem mais nos empréstimos para cobrir o déficit do governo e para rolar o pagamento de juros. A dívida cresce mais. Dívida maior, juros maiores (tudo mais constante. Se o país crescesse a 4% ao ano, o problema seria atenuado. Hum).

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Se o Banco Central baixar a Selic, resolve? Não, afora o risco de dólar e inflação saírem do controle. A Selic é taxa de curtíssimo prazo. As taxas de juros cobradas do governo para empréstimos de prazo mais longo estão mais altas do que em agosto de 2023, quando o BC começou a cortar a Selic.

Para piorar, é possível que a Selic pare cair em breve. Especula-se se o presidente do BC que Lula vai nomear até o final do ano vai ser rigoroso com a inflação. Mais dúvida, juros mais altos.

O governo Lula-Haddad reconheceu que seu plano de contenção de déficit e dívida furou, mas não apareceu com providências alternativas e Brasília pouco se importa. Esse tumulto nos EUA coloca cerejas podres nesse bolo azedo.

Tem cara de desastre, por enquanto? Não, até porque ainda dá para remediar a situação. Mas nossos problemas crônicos pioram e o risco de acidentes aumenta.

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Não é crise, mas dólar a R$ 5,27 e juro maior aumentam risco de acidentes

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17.04.2024

O "que está acontecendo nos Estados Unidos... explica dois terços do que está acontecendo no Brasil", disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre o dólar a R$ 5,27.

Uma estatística meio simples e os motivos visíveis para um dólar mais caro indicam que a hipótese de Haddad é razoável. O fato de o governo ter afrouxado a meta de contenção da dívida pública talvez seja um fator menor do dólar a R$ 5,27.

É possível argumentar também que o fato de Lula 3 ter reduzido suas metas de controle do gasto significa apenas um reconhecimento oficial, ainda otimista, de que a dívida pública vai aumentar mais do que o governo previa, o que estava nas contas de quase todo mundo.

Nada disso refresca a situação, porém.

Primeiro, haverá estragos porque as taxas de juros nos EUA vão permanecer altas por mais tempo do que se previa. Quando essa nuvem vai se dissipar? Julho? Setembro? No Natal? Quanto mais tempo, pior o efeito sobre juros e inflação daqui. Taxas de juros mais altas sobre uma dívida pública maior e relaxada vão acelerar o ritmo de aumento da dívida.

Segundo, Lula 3 não fez apenas uma adaptação "realista" das metas de controle de gasto. Adiou o objetivo de ter despesas menores do que receitas, no futuro próximo, sem indicar alternativa........

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