No sábado, faz dois anos que a Rússia invadiu a Ucrânia. Serão também dois anos de um vexame de previsões erradas sobre a economia russa.
O PIB do país de Vladimir Putin cresceu 3,6% em 2023. Na zona do euro, o crescimento deve ter sido 0,6%. No Brasil, de 3%. Nos EUA, foi de 2,5%, excelente, dada a riqueza americana.
O resumo prévio da ópera é que Putin driblou sanções, no curto ou no médio prazo pode sustentar a guerra e consegue tocar um plano de descolamento do Ocidente.
No início de 2022, Banco Mundial, FMI, bancões e mesmo o Banco Central russo previam que o PIB da Rússia diminuiria em torno de 9% naquele ano. A baixa foi de 1,2%.
Previu-se então que 2023 seria ruim, do PIB ao déficit público. Não foi. O FMI prevê crescimento de 2,6% para este 2024; o ministério das Finanças de Putin prevê menos: 2,1%.
É uma economia de guerra, dizem. É verdade, o que afeta o bem-estar da média dos russos agora e sugere dias entre nebulosos e sombrios no futuro, quando a guerra acabar —se acabar.
"Se acabar": o Orçamento de defesa era de 2,7% do PIB em 2021; em 2024, deve ir a 6% do PIB (para uma despesa pública total de uns 36% do PIB). É dinheiro para sustentar uma guerra longa.
Receba no seu email uma seleção semanal com o que de mais importante aconteceu no mundo
Carregando...
A despesa em bomba, tanques ou aviões de combate substitui o gasto em consumo privado civil, o investimento em capacidade produtiva e infraestrutura civis e em serviços de educação, saúde e despesas sociais.
Quando a guerra acabasse, seriam necessárias algumas condições especiais para que não ocorresse recessão feia (poupança privada represada e/ou estímulo continuado de déficit do governo e/ou transações comerciais suficientes com o resto do mundo).
Isso quanto ao curto prazo. No longo prazo, a economia russa padecerá de menos acesso a tecnologia e investimento do exterior, ainda que a China possa tapar parte dos buracos.
Deve sofrer com a falta de cérebros —muita gente fugiu do país, do serviço militar, da falta de perspectiva da vida sob a guerra de um tzar etc. É improvável que a produtividade russa venha a crescer.
Mais
Isto posto, Putin driblou sanções do Ocidente e aliados. Negocia petróleo. Os barris russos são vendidos a um preço mais descontado do que antes da guerra, mas acima do teto que o Ocidente quis impor.
Nos cinco anos anteriores ao início da epidemia (2015-2019), a receita de petróleo e gás era 40,8% das receitas totais do Orçamento do governo.
Em 2022, primeiro ano da guerra, foi de 41,6% do total (resultado do baile nas sanções, de resto tardias, e do aumento de preço do barril causado pela guerra). Em 2023, baixaram a 30,3%, o menor desde 2006, fora o 2020 de epidemia, em parte por causa da queda do preço da commodity.
O déficit público cresceu. Mas o país costuma ter disciplina fiscal —Putin é um "austericida", diga-se, com ironia. A dívida pública é pequena, cerca de 20% do PIB.
Receba no seu email uma seleção de colunas e blogs da Folha
Carregando...
A inflação foi de 11,9% em 2022 e de 7,4% em 2023. Considerada a carestia mundial, esteve na faixa. A taxa básica de juros passou de 7,5% ao ano para 16% ao ano ao longo de 2023. Ruim, mas trata-se de um país em guerra.
O desemprego baixou a 2,9% (número influenciado pelo fato de que gente deu o fora do país ou está na guerra). O salário médio cresce mais do que a inflação em um país em que o poder de compra é 80% maior do que o brasileiro e a desigualdade é muito menor.
Sim, a economia pode ter problemas de superaquecimento, como reconhece o próprio BC deles. Note-se, porém, que este é quase um debate de "país normal".
Parece improvável que seja possível manter o padrão de vida com gasto contínuo e crescente com guerra. Quando vai dar problema é a questão. Por ora, Putin tem gás, literalmente, para manter seu programa de tiro, pancada e bomba.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.
Assinantes podem liberar 5 acessos por dia para conteúdos da Folha
Assinantes podem liberar 5 acessos por dia para conteúdos da Folha
Assinantes podem liberar 5 acessos por dia para conteúdos da Folha
Recurso exclusivo para assinantes
assine ou faça login
Leia tudo sobre o tema e siga:
Você já conhece as vantagens de ser assinante da Folha? Além de ter acesso a reportagens e colunas, você conta com newsletters exclusivas (conheça aqui). Também pode baixar nosso aplicativo gratuito na Apple Store ou na Google Play para receber alertas das principais notícias do dia. A sua assinatura nos ajuda a fazer um jornalismo independente e de qualidade. Obrigado!
Mais de 180 reportagens e análises publicadas a cada dia. Um time com mais de 200 colunistas e blogueiros. Um jornalismo profissional que fiscaliza o poder público, veicula notícias proveitosas e inspiradoras, faz contraponto à intolerância das redes sociais e traça uma linha clara entre verdade e mentira. Quanto custa ajudar a produzir esse conteúdo?
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.