Acontece hoje a primeira audiência pública no Senado Federal do projeto de lei que pode expor crianças e adolescentes a diversos tipos de violências, com duras consequências físicas e psicológicas. Trata-se do projeto sobre a educação domiciliar, conhecida como "homeschooling".

Esse modelo impacta as crianças de diversas maneiras e, por isso, há muitos aspectos que podem ser debatidos sobre ele. Entre eles, os dados que mostram que a maior parte das violências contra crianças ocorre dentro de casa e o papel primordial que a escola tem em reconhecer, combater e evitar essas violações.

A exposição dos números e este alerta não devem ser interpretados como uma acusação contra as famílias que defendem o homeschooling, como se elas pudessem praticar violências contra suas crianças. Pelo contrário. A questão é que, uma vez aprovado pelo desejo de poucos, ele será válido para todos. E aí, os dados são alertas do perigo a que passaremos, como sociedade, ao expor todas as crianças deste país.

Os números provam que a maior parte da violência praticada contra crianças e adolescentes se dá no ambiente familiar. Informações colhidas pelo Ministério das Mulheres, da Família e dos Direitos Humanos mostram que 81% dos 50,1 mil casos de violência contra crianças e adolescentes registrados no primeiro semestre de 2021 ocorreram dentro de casa.

Os canais de denúncia também comprovam que o domicílio é o local em que ocorre a maior parte dos crimes sexuais contra crianças. O serviço de denúncias Disque 100, do Governo Federal, mostra que 68% dos casos de abuso e violência sexual acontecem dentro de casa e a análise desses dados, feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra que 86% dos abusadores são pessoas da família ou conhecidos da vítima.

A escola é o ambiente que a criança frequenta todos os dias e o mais eficiente espaço de denúncia contra qualquer violação a ela. É onde desenvolve vínculos e relações de confiança com seus colegas, professores e funcionários da instituição. É nesse local que ela encontra acolhimento e segurança para pedir ajuda.

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Os profissionais que trabalham na escola e se relacionam diariamente com as crianças são os que têm mais condição de perceber mudanças de comportamento, marcas visíveis e outros indícios de que ela sofre algum tipo de abuso, como desenhos e depoimentos feitos espontaneamente.

Um diagnóstico realizado em 2020, em Vitória da Conquista (BA), município considerado referência na proteção à criança, mostrou que 55% dos casos de violência contra esse público chegavam pela escola e pela área da saúde, sendo a educação a principal responsável por esse dado.

Isso fez com que a cidade criasse, em 2022, um Núcleo de Prevenção e Acompanhamento às Violências para atuar estritamente no ambiente escolar.

O fechamento das escolas na pandemia comprovou a importância deste canal de denúncia. Durante o período, o número de boletins de ocorrência caiu expressivamente. O parecer oficial de diferentes órgãos é que o confinamento dificultou a chegada da notificação de violência aos órgãos oficiais.

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Um estudo produzido pelo Ministério Público de São Paulo, Unicef, e Instituto Sou da Paz mostrou especificamente que os registros de estupro de vulnerável —sexo praticado por adulto com menor de 14 anos— tiveram redução de 15,7% no primeiro semestre de 2020 em comparação ao mesmo período do ano anterior.

Como era de se esperar, a reabertura das escolas levou ao aumento do registro de queixas. Entre janeiro e abril de 2022, as denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil alcançaram o índice de 4.486, mais que o dobro se comparado ao começo da pandemia em 2020.

De acordo com o Ministério, esse aumento está relacionado à volta às aulas presenciais. O relato dos professores é tão importante que o governo federal criou um número de telefone específico para as denúncias, o 1510.

Leia reportagens publicadas sobre o combate à violência sexual contra crianças e adolescentes

A escola é reconhecida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e por outras leis como uma camada de proteção essencial e indispensável ao bem-estar e à integridade da criança. Como consta em nossa Constituição, toda e qualquer criança tem o direito à proteção. A educação domiciliar inviabiliza a garantia desse direito.

É dever de toda a sociedade assegurar a cada uma das crianças uma vida digna, livre de qualquer forma de violência e outras violações.

No entanto, este é um país que não tem estruturas de fiscalização adequadas para que esta vigilância aconteça. Não podemos colocar o interesse de poucos acima da proteção da maioria.

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Os riscos do homeschooling para a segurança das crianças

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01.12.2023

Acontece hoje a primeira audiência pública no Senado Federal do projeto de lei que pode expor crianças e adolescentes a diversos tipos de violências, com duras consequências físicas e psicológicas. Trata-se do projeto sobre a educação domiciliar, conhecida como "homeschooling".

Esse modelo impacta as crianças de diversas maneiras e, por isso, há muitos aspectos que podem ser debatidos sobre ele. Entre eles, os dados que mostram que a maior parte das violências contra crianças ocorre dentro de casa e o papel primordial que a escola tem em reconhecer, combater e evitar essas violações.

A exposição dos números e este alerta não devem ser interpretados como uma acusação contra as famílias que defendem o homeschooling, como se elas pudessem praticar violências contra suas crianças. Pelo contrário. A questão é que, uma vez aprovado pelo desejo de poucos, ele será válido para todos. E aí, os dados são alertas do perigo a que passaremos, como sociedade, ao expor todas as crianças deste país.

Os números provam que a maior parte da violência praticada contra crianças e adolescentes se dá no ambiente familiar. Informações colhidas pelo Ministério das Mulheres, da Família e dos Direitos Humanos mostram que 81% dos 50,1 mil casos de violência contra crianças e adolescentes registrados no primeiro semestre de 2021 ocorreram dentro de casa.

Os canais de denúncia também comprovam que o domicílio é o local em que ocorre a maior parte dos crimes sexuais contra crianças. O serviço........

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