Após quase três anos, a missão do helicóptero marciano Ingenuity, da Nasa, chegou ao fim –após voar 14 vezes mais do que era esperado dele. O sucesso tem significado histórico: além de ter demonstrado pela primeira vez a possibilidade de voo pela atmosfera de outro planeta, o equipamento provou que sistemas não projetados para uso em missões espaciais podem ter vida longa em ambientes bem mais inóspitos do que os encontrados na Terra.

O Ingenuity foi ao mesmo tempo modesto e ousado. Com custo bastante contido (US$ 80 milhões), ele foi incluído no voo do rover Perserverance de última hora, com uma boa dose de improviso. Para demonstrar voo na atmosfera ultrarrarefeita de Marte (que equivale à da Terra a uma altitude de 24 km), ele precisava ser leve, menos de 2 kg, o que descartava o uso de um computador de bordo desenvolvido pela Nasa para resistir ao ambiente de radiação no espaço profundo.

Introduzido em 2001, o RAD750 é baseado em tecnologia de informática dos anos 1990 e hoje opera a maioria das missões interplanetárias da Nasa, incluindo o Perseverance, lançado a Marte em 2020. Mas, sozinho, ele pesa cerca de meio quilo. Para o Ingenuity, os engenheiros do JPL (Laboratório de Propulsão a Jato) decidiram trocá-lo por um chip de smartphone de 2015, o Qualcomm Snapdragon 801, que pesa 14 gramas. Segundo Teddy Tzanetos, gerente do projeto, esse processador é cem vezes mais poderoso do que tudo que o JPL já mandou ao espaço profundo combinado. Mas ele seria capaz de operar em Marte?

Era um risco calculado, em uma missão experimental e tecnológica que tinha a ambição de realizar, no máximo, cinco voos num espaço de apenas 30 dias. Acabou realizando 72, voando ao todo mais de duas horas, ao longo de quase três anos.

No dia 18 de janeiro, durante seu último passeio, houve perda momentânea de comunicação com o valente helicóptero pouco antes do pouso, a 1 m do solo. Ela acabou sendo retomada, mas imagens revelaram que pelo menos uma de suas hélices foi danificada na descida, o que o impediria de ganhar voo novamente. Por isso, a Nasa decidiu encerrar oficialmente a missão, em 25 de janeiro. Isso depois de sobreviver a mais de mil dias marcianos, tempestades de areia, três pousos de emergência e um gélido inverno.

A notícia é boa para o futuro da exploração de Marte: indica que é possível desenvolver missões científicas mais baratas e longevas, aproveitando-se de componentes eletrônicos originalmente não projetados para uso espacial. E, claro, isso se estende a outros mundos, em particular os que têm atmosfera apreciável, em que veículos aéreos poderão dar acesso a regiões inalcançáveis por rovers. "O primeiro helicóptero marciano deixa para trás uma marca indelével no futuro da exploração espacial e vai inspirar frotas de aeronaves em Marte –e em outros mundos– por décadas", disse Tzanetos em evento que celebrou o fim da missão.

Esta coluna é publicada às segundas-feiras na versão impressa, na Folha Corrida.

Siga o Mensageiro Sideral no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

Assinantes podem liberar 5 acessos por dia para conteúdos da Folha

Assinantes podem liberar 5 acessos por dia para conteúdos da Folha

Assinantes podem liberar 5 acessos por dia para conteúdos da Folha

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Você já conhece as vantagens de ser assinante da Folha? Além de ter acesso a reportagens e colunas, você conta com newsletters exclusivas (conheça aqui). Também pode baixar nosso aplicativo gratuito na Apple Store ou na Google Play para receber alertas das principais notícias do dia. A sua assinatura nos ajuda a fazer um jornalismo independente e de qualidade. Obrigado!

Mais de 180 reportagens e análises publicadas a cada dia. Um time com mais de 200 colunistas e blogueiros. Um jornalismo profissional que fiscaliza o poder público, veicula notícias proveitosas e inspiradoras, faz contraponto à intolerância das redes sociais e traça uma linha clara entre verdade e mentira. Quanto custa ajudar a produzir esse conteúdo?

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.

QOSHE - Missão do helicóptero marciano da Nasa termina, mas deixa legado - Mensageiro Sideral
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

Missão do helicóptero marciano da Nasa termina, mas deixa legado

7 1
04.02.2024

Após quase três anos, a missão do helicóptero marciano Ingenuity, da Nasa, chegou ao fim –após voar 14 vezes mais do que era esperado dele. O sucesso tem significado histórico: além de ter demonstrado pela primeira vez a possibilidade de voo pela atmosfera de outro planeta, o equipamento provou que sistemas não projetados para uso em missões espaciais podem ter vida longa em ambientes bem mais inóspitos do que os encontrados na Terra.

O Ingenuity foi ao mesmo tempo modesto e ousado. Com custo bastante contido (US$ 80 milhões), ele foi incluído no voo do rover Perserverance de última hora, com uma boa dose de improviso. Para demonstrar voo na atmosfera ultrarrarefeita de Marte (que equivale à da Terra a uma altitude de 24 km), ele precisava ser leve, menos de 2 kg, o que descartava o uso de um computador de bordo desenvolvido pela Nasa para resistir ao ambiente de radiação no espaço profundo.

Introduzido em 2001, o RAD750 é baseado em tecnologia de informática dos anos 1990 e hoje opera a maioria das missões interplanetárias da Nasa, incluindo o Perseverance, lançado a Marte em 2020. Mas,........

© UOL


Get it on Google Play