Quando penso no que o Homo sapiens fez com os neandertais perco um pouco a esperança na nossa espécie. Como teria sido o mundo se não tivéssemos ajudado a eliminar todos os nossos irmãos sapiens que um dia conviveram conosco nesse efêmero planeta azul?

O conceito de reparação histórica está na praça. Não vou questioná-lo na sua condição epistemológica. Poderia fazê-lo, visto que é frágil na sua estrutura e é, essencialmente, ideológico. Parte do pressuposto de que exista um sujeito histórico social coletivo no tempo que se sobrepõe aos sujeitos históricos individuais na sua forma moral, legal, cognitiva e política. Mas, assumamos a proposta como tal e investiguemos quais seriam suas formas mais extremas.

Os anticolonialistas só pensam nos europeus quando tecem suas críticas anticoloniais, mas talvez pudéssemos incluir outros povos ao longo da pré-história, história, e em toda a geografia na Terra.

Assumindo que os povos originários são os donos originários —redundância proposital— das Américas e Oceania —para quem não sabe, Austrália e Nova Zelândia, além de outras ilhas— não vejo como não pleitear a devolução das terras aos seus donos de origem.

No caso do Brasil, penso que todos os descendentes de europeus que cá chegaram deveriam ser expulsos —ou deveriam ir embora de bom grado.

Suas propriedades deveriam ser devolvidas para quem cá vivia em 1500. Tudo, inclusive a praça do Três Poderes e o Planalto, assim como todas as empresas, casas, apartamentos, hospitais, universidades. Enfim, tudo que foi construído a partir da invasão.

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Um pequeno reparo. Os que foram cá trazidos como povos escravizados deveriam ou não ter direito a permanecer no território que até ontem tinha sido o Brasil? Historiadores, antropólogos e mais especialistas no assunto, na sua maioria, de partida, deveriam chegar a um acordo. Ter vindo para cá a força caracteriza colonialismo? Penso que não. Isto posto, que fiquem.

Claro que isso exigiria uma logística para a expulsão ou para o retorno às cortes europeias, que, aliás, não nos aceitariam com certeza, assim como para a própria devolução aos donos de origem do território. Não esqueçamos da imensa burocracia a decidir quem é cada um nessa cadeia de recepção dos bens que foram roubados.

A possibilidade de contencioso seria imensa. Imagino que novas instituições e protocolos burocráticos seriam criados pelos originários a fim de organizar esse processo imenso de justa reparação histórica.

Evidente que esse procedimento deveria ser posto em prática em todo o continente americano, principalmente entre os "estadunidenses", expressão ridícula criada pela esquerda. Lá, ainda existiria uma discussão a mais. Como entregar a gestão das armas nucleares?

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Claro que o caro leitor inteligente já imaginou o imenso rolo que isso causaria. Onde caberiam tantos "europeus" retornando para uma Europa já desgastada com seus imigrantes pós-coloniais?

O leitor com repertório científico à mão, e com aquele desejo incontrolável de ostentar seu "conhecimento abalizado", perguntaria nas assembleias democráticas realizadas para organizar o processo de saída dos territórios invadidos o que fazer com tantos brasileiros miscigenados. Temo que não se possa usar mais essa expressão porque já seja sinônimo de genocídio —aliás, palavra da moda, não?

Análises de DNA e uma decisão a partir da porcentagem de genes originários ou não das "Américas" —perdão pelo uso de tal expressão criminosa—, 50% mais um faria do sujeito invasor ou invadido? Imagino que a inteligência artificial e seus admiradores mostrariam todo seu potencial de resolução de problemas sem solução.

Como lidar com a reação dos reacionários? Redundância proposital. Certamente haveria uma longa discussão sobre o justo, ou não, uso da violência nesses casos. A ideia de que o gosto da violência fora trazido às terras virgens pelos europeus, e por eles somente, encontraria aqui um limite operacional?

O fato é que os limites entre os extremos nem sempre são tão claros. A vida se dá nesses espaços infinitos entre os extremos.

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No extremo da reparação histórica, descendentes de europeus seriam expulsos

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25.02.2024

Quando penso no que o Homo sapiens fez com os neandertais perco um pouco a esperança na nossa espécie. Como teria sido o mundo se não tivéssemos ajudado a eliminar todos os nossos irmãos sapiens que um dia conviveram conosco nesse efêmero planeta azul?

O conceito de reparação histórica está na praça. Não vou questioná-lo na sua condição epistemológica. Poderia fazê-lo, visto que é frágil na sua estrutura e é, essencialmente, ideológico. Parte do pressuposto de que exista um sujeito histórico social coletivo no tempo que se sobrepõe aos sujeitos históricos individuais na sua forma moral, legal, cognitiva e política. Mas, assumamos a proposta como tal e investiguemos quais seriam suas formas mais extremas.

Os anticolonialistas só pensam nos europeus quando tecem suas críticas anticoloniais, mas talvez pudéssemos incluir outros povos ao longo da pré-história, história, e em toda a geografia na Terra.

Assumindo que os povos originários são os donos originários —redundância proposital— das Américas e Oceania —para quem não sabe, Austrália e Nova Zelândia, além de outras ilhas— não vejo como não pleitear a devolução das terras aos seus donos de origem.

No caso do Brasil, penso que todos os descendentes de europeus que cá chegaram deveriam ser expulsos —ou deveriam ir embora de bom grado.

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