Os chilenos disseram não outra vez. Em 2022, a esquerda liderou a elaboração de uma nova Constituição com um carimbo progressista. O texto foi rejeitado por 62% dos eleitores. Um ano depois, a ultradireita tomou as rédeas e redigiu uma proposta notadamente conservadora. Resultado: 56% votaram contra.

O impasse tem a marca de uma era de poucos consensos políticos. Os dois lados disputaram aprovação com alguma euforia e a ilusão de que aqueles projetos exprimiam um desejo majoritário. A certeza de que suas ideias representavam mudanças necessárias lhes deu um excesso de confiança para mexer em temas historicamente divisivos.

A esquerda se confundiu na cacofonia do "estallido social", que tomou as ruas do país em 2019. Propôs o direito à interrupção voluntária da gravidez, regras amplas de proteção ambiental, o reconhecimento de todas as formas de família e a transformação do Chile num Estado plurinacional. Muitos cidadãos consideraram o texto radical demais.

Com uma boa dose de arrogância, a ultradireita fez uma aposta errada num efeito bumerangue. Apresentou um vocabulário que poderia dificultar o acesso ao aborto legal e tentou facilitar a deportação expressa de imigrantes. Analistas diziam que aquela proposta era mais conservadora que a Constituição atual, elaborada na ditadura militar.

A câmara de eco das redes sociais estimula os políticos a buscarem conforto em seus próprios grupos, onde precisam fazer menos concessões. O acirramento das disputas partidárias alimenta a falsa ideia de que, na democracia, o vencedor leva tudo. É uma fórmula que, em muitos casos, trava transformações relevantes —das nocivas às urgentes, a depender do ponto de vista.

O duplo não dos chilenos impede um passo atrás, mas também adia uma expansão de direitos sociais. Fica de pé a Constituição da época de Augusto Pinochet. "Sempre prefiro algo mau a algo péssimo", disse a ex-presidente Michelle Bachelet ao votar contra o texto da ultradireita.

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Impasse no Chile marca uma era de pouco consenso político

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19.12.2023

Os chilenos disseram não outra vez. Em 2022, a esquerda liderou a elaboração de uma nova Constituição com um carimbo progressista. O texto foi rejeitado por 62% dos eleitores. Um ano depois, a ultradireita tomou as rédeas e redigiu uma proposta notadamente conservadora. Resultado: 56% votaram contra.

O impasse tem a marca de uma era de poucos consensos políticos. Os dois lados disputaram aprovação com alguma euforia e a ilusão de que aqueles projetos exprimiam um desejo majoritário. A certeza de que suas ideias representavam mudanças necessárias lhes deu um excesso de confiança para mexer em temas historicamente divisivos.

A esquerda se confundiu na cacofonia do "estallido social", que tomou as ruas do país em 2019. Propôs o direito à interrupção voluntária da gravidez, regras amplas de proteção ambiental, o........

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