Decorreu no passado fim-de-semana, em Dakar, a segunda conferência internacional do Movimento dos Sahraouis pela Paz. Liderado Lhaj Ahmed Barikalla, um dissidente da POLISARIO que "reganhou o Marrocos" (como se diz por lá) em 2013/14, em consequência de todas as rupturas sociais e políticas operadas durante a Primavera Árabe.

O momento da ruptura de Barikalla com o movimento independentista que integrava, aconteceu praticamente em simultâneo com a revelação da Comissão Europeia, de um relatório que ficou "esquecido" durante sete anos numa gaveta de Bruxelas, no qual se relatavam irregularidades várias sobre os dinheiros e outras ajudas internacionais canalizadas para a melhoria das condições de vida nos campos de refugiados em Tindouf. Como exemplos, ali estava referido que o trigo de primeira qualidade doado pelo Canadá, era vendido no mercado internacional e depois substituído por trigo de quinta qualidade, ficando a organização independentista com o lucro da diferença entre a venda e a compra do referido cereal. Outro dado relevante do mesmo relatório era a referência a trabalho escravo efectivo, já que os dinheiros destinados à compra de materiais de construção para a melhoria das precárias habitações e pagamento aos habitantes das mesmas, que fizeram as obras, nunca aconteceu. A ideia da União Europeia, na canalização destes dinheiros e no modelo de aplicação, era o de mitigar a alta taxa de desemprego no seio desta comunidade.

Por estas e por outras, houve nessa altura uma vaga de cisões no seio sahraoui, o que lhes permitiu uma perspectiva diferente sobre prioridades, vontades e o futuro, que continua a "marcar passo" nas ambições independentistas.

Numa visão mais macro, a conferência deste fim-de-semana, não reuniu apenas dissidentes da POLISARIO, contando também com personalidades internacionais que validam a necessidade de uma nova abordagem a este "limbo político" a caminho de meio século. De Espanha, profundo conhecedor do problema e ex-potencia colonizadora dos territórios agora Províncias do Sul de Marrocos, estiveram presentes José Bono Martinez, antigo Ministro da Defesa, bem como teve o aval por video-conferência de Miguel Angel Moratinos, antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Jose Rodriguez Zapatero, antigo Primeiro-Ministro de Espanha. Quando esta Esquerda apoia esta iniciativa, significa que, de facto, tudo mudou! América Latina e África também estiveram presentes, sobretudo com centros de estudos estratégicos e de defesa.

Esta iniciativa apresenta-se como uma "pedrada no charco" importante, num momento em que Marrocos se encontra tecnicamente em guerra com a POLISARIO e esta continua a não apresentar uma solução para além de insistir na perpetuação do conflito. Por outro lado, Marrocos, através da nova Constituição de 2011, propõe uma solução séria e exequível, já que sendo aceite pelos independentistas é garante de paz e do retorno à terra, de quem há 50 anos embarcou no sonho de um Sahara independente.

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Ou seja, o que fez sentido num mundo bipolar, terá que saber adaptar-se às mudanças que foram acontecendo e aceitar a realidade dos factos. Populações, famílias há 50 anos no precário, ambicionam o conforto que merecem e veem nos outros e, este Movimento Sahraoui para a Paz, vem responder a essa necessidade e ambição das populações, enquanto alternativa à escalada do discurso e das armas que voltou a acontecer desde 2019.

A prova final da mudança sistémica mundial, cujas consequências rapidamente se reflectem do macro para cada ponto micro, em qualquer geografia, é o facto de o acordo governamental PSOE-Sumar ter acordado em não incluir a Questão Sahraoui nos termos do mesmo. No fundo, o assunto deixou de o ser, a partir do momento em que Pedro Sanchez anunciou o apoio do seu governo ao Plano Marroquino de Autonomia do Sahara, em Março de 2022.

- 31 de Outubro, o Centro Marroquino da Diplomacia Pública e o Instituto Ibero-Americano de Estudos Jurídicos, organizam uma jornada de estudos em parceria com a Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade Mohamed V, intitulada "Relações Luso-Marroquinas: Passado, Presente, Futuro". Às 09h no Anfiteatro Charif Al-Idrissi da Faculdade de Letras e Ciências Humanas de Rabat (Bab Rouah) - Marrocos;

- Todos os domingos, na Telefonia da Amadora, entre as 21h e as 22h, Programa "Um certo Oriente", apresentado pelo Arabista António José, um espaço onde se misturam ritmos, sons e palavras, através das suas mais variadas expressões, pelos roteiros do Médio Oriente e Ásia.

Raúl M. Braga Pires, Politólogo/Arabista, é autor do site www.maghreb-machrek.pt (em reparação) e escreve de acordo com a antiga ortografia.

QOSHE - Movimento dos Sahraouis pela Paz - Raúl M. Braga Pires
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Movimento dos Sahraouis pela Paz

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30.10.2023

Decorreu no passado fim-de-semana, em Dakar, a segunda conferência internacional do Movimento dos Sahraouis pela Paz. Liderado Lhaj Ahmed Barikalla, um dissidente da POLISARIO que "reganhou o Marrocos" (como se diz por lá) em 2013/14, em consequência de todas as rupturas sociais e políticas operadas durante a Primavera Árabe.

O momento da ruptura de Barikalla com o movimento independentista que integrava, aconteceu praticamente em simultâneo com a revelação da Comissão Europeia, de um relatório que ficou "esquecido" durante sete anos numa gaveta de Bruxelas, no qual se relatavam irregularidades várias sobre os dinheiros e outras ajudas internacionais canalizadas para a melhoria das condições de vida nos campos de refugiados em Tindouf. Como exemplos, ali estava referido que o trigo de primeira qualidade doado pelo Canadá, era vendido no mercado internacional e depois substituído por trigo de quinta qualidade, ficando a organização independentista com o lucro da diferença entre a venda e a compra do referido cereal. Outro dado relevante do mesmo relatório era a referência a trabalho escravo efectivo, já que os dinheiros destinados à compra de materiais de construção para a........

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