Uma das frases que ficarão para a posteridade associadas a António Costa é a célebre “à justiça o que é da justiça e à política o que é da política”, repetida neste sábado à noite na declaração que fez sobre o dever que os governos têm de agilizar investimentos importantes e no pedido de desculpas que apresentou ao país.

Costa defendeu sempre a separação entre justiça e política e a inocência de um arguido até prova em contrário, incluindo quando está no Governo. Com esse argumento, conservou na sua equipa ministros envolvidos em casos e casinhos, até judiciais, acreditando que mantinham a autoridade intacta.

O que fez quando soube que era ele o alvo de um “inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça” é o contrário disso. "Obviamente” — e a palavra é do próprio —, apresentou a sua “demissão ao Presidente da República”. Dito de outra maneira: Costa deu o exemplo que nunca exigiu aos seus ministros, mesmo que não lhe pesasse na “consciência a prática de qualquer acto ilícito", como justificou.

No parágrafo do comunicado da Procuradoria-Geral da República que o levou a demitir-se, o primeiro-ministro não surge como arguido, ao contrário de alguns dos colaboradores próximos. Os seus aposentos ou a sua casa não foram alvo de buscas. As escutas que o referem não têm, ao que se sabe, conteúdo explícito. E ninguém teve tempo de pedir a sua cabeça antes do pedido de demissão.

António Costa foi rápido a fazer a avaliação da sua situação política, lendo os sinais, sabendo que em política não basta ser sério e tendo em conta a sua ligação a alguns dos arguidos ou a importância que têm no seu Governo. "É meu entendimento que a dignidade das funções de primeiro-ministro não é compatível com qualquer suspeição sobre a sua integridade, a sua boa conduta e menos ainda com a suspeita da prática de qualquer acto criminal”, disse.

Seria de esperar que esta frase fizesse o seu caminho e as suas baixas. Mas nem Vítor Escária tomou a iniciativa de se demitir (foi Costa que o exonerou e pediu desculpas pelo seu comportamento), nem João Galamba se inspirou nela para sair do Governo. Acabou por deixar o primeiro-ministro na posição incómoda de ser ele a anunciar uma conversa, nos próximos dias, com o Presidente da República, sobre o assunto.

É pena que Costa aplique a si próprio o argumento de que “a dignidade das funções de primeiro-ministro não é compatível com qualquer suspeição sobre a sua integridade” e não exija a mesma postura a outros membros da sua equipa. Mas a forma como alguém sai de cena, ou fica em cena, também importa.

QOSHE - Sobre a dignidade das funções de governante - Sónia Sapage
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Sobre a dignidade das funções de governante

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12.11.2023

Uma das frases que ficarão para a posteridade associadas a António Costa é a célebre “à justiça o que é da justiça e à política o que é da política”, repetida neste sábado à noite na declaração que fez sobre o dever que os governos têm de agilizar investimentos importantes e no pedido de desculpas que apresentou ao país.

Costa defendeu sempre a separação entre justiça e política e a inocência de um arguido até prova em contrário, incluindo quando está no Governo. Com esse argumento, conservou na sua equipa ministros envolvidos em casos e casinhos, até judiciais, acreditando que mantinham a autoridade intacta.

O que fez quando........

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