A propósito do protesto dos agricultores, que se foi estendendo pela Europa – Alemanha, França, Bélgica, Polónia, etc. – até chegar a Portugal, o professor Pedro Magalhães (ICS) partilhou na rede social X um estudo feito em parceria com João Cancela (Nova), em 2024, sobre “Negligência política e apoio à direita radical: o caso do Portugal rural”.

O trabalho analisa os resultados de uma sondagem feita a mais de 34 mil eleitores à boca das urnas nas últimas legislativas (2022), mas baseia-se também num inquérito presencial feito a nível nacional em 2023 e parte de uma dúvida: por que razão são os eleitores rurais mais propensos a apoiar partidos de direita radical?

Há vários factores a considerar, contudo, no caso português. Pedro Magalhães e João Cancela apontam uma conclusão: as queixas económicas, a “concentração maior de valores tradicionalistas/nacionalistas” ou os sentimentos “de privação financeira” não justificam tudo; o mais relevante é que “os residentes rurais” percebem “as áreas onde vivem como politicamente negligenciadas”, sendo essa a “percepção que, por sua vez, alimenta o apoio à direita radical”.

A negligência política, as decisões centralistas, a distância face aos centros decisores (são coisas diferentes) e os baixos níveis de confiança nas instituições criam uma sensação de ressentimento que, em alguns casos (mas não em todos), resulta no apoio eleitoral a partidos radicalizados e anti-sistema que se alimentam do protesto e que não têm qualquer cultura democrática.

​Numa altura em que Portugal vê algumas das suas estradas e fronteiras bloqueadas por tractores, não é justo fazer confusão entre o voto rural e o voto dos agricultores. Mas, para isso, também seria importante que ficasse muito claro para todos quem está, afinal, por detrás destas manifestações a que se chama “inorgânicas” e quem se junta a elas, de forma oportunista, dando uma mãozinha na mobilização.

Os agricultores não são os únicos a sentir-se negligenciados, e isso é tão mau quanto perigoso. Os polícias, os guardas, os professores, os médicos, os enfermeiros, a classe média à procura de casa, os utentes do SNS, os pensionistas… muitos são os que se vêem abandonados e à margem das decisões políticas.

Neste contexto, há algo ainda mais perigoso do que um país que se sente negligenciado: é um país que não confia nos seus interlocutores tradicionais para exigir soluções. Esse pode ser um divórcio sem retorno e com custos imprevisíveis.

QOSHE - O poder dos negligenciados - Sónia Sapage
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

O poder dos negligenciados

3 7
02.02.2024

A propósito do protesto dos agricultores, que se foi estendendo pela Europa – Alemanha, França, Bélgica, Polónia, etc. – até chegar a Portugal, o professor Pedro Magalhães (ICS) partilhou na rede social X um estudo feito em parceria com João Cancela (Nova), em 2024, sobre “Negligência política e apoio à direita radical: o caso do Portugal rural”.

O trabalho analisa os resultados de uma sondagem feita a mais de 34 mil eleitores à boca das urnas nas últimas legislativas (2022), mas baseia-se também num inquérito presencial feito a nível nacional em 2023 e parte de uma dúvida: por que razão são os eleitores........

© PÚBLICO


Get it on Google Play