menu_open Columnists
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close

Informações preliminares sobre o fim do mundo

10 1
25.11.2025

Há uma realidade assustadora que nos rodeia e com a qual somos confrontados à hora do telejornal – seja a morte em todas as suas formas definitivas, as vidas parciais dos espoliados e dos pobres de espírito, as sessões plenárias da AR ou os desfiles da Moda Lisboa. Parece uma realidade distante, da responsabilidade vergonhosa dos outros mas, atentando bem, percebe-se que tem marcas da nossa passagem e da nossa indiferença. Nesse sentido, participamos dela – e todas as imagens de ruínas com crianças podiam ter sido fotografadas para a World Press Photo de uma janela da nossa casa. É uma realidade feita de morticínios, de fomes extremas, de estupidez, de fealdade – e todos os dias se acrescenta de novos morticínios, de maior fome, de estupidez e de mais fealdade. Não é um momento histórico infeliz, não surgiu da loucura de um homem ou de uma coincidência rara de coisas desgraçadas. Na verdade, é evidente em tudo o que a compõe um efeito de inércia, uma lógica demolidora que conduziu até aqui os acontecimentos e os seus actores. Olhando para qualquer momento do passado recente reconhecem-se as sucessivas estações desse percurso medonho. É só olhar.

Quando é que tudo isto começou, como é que foi possível chegar a este ponto, quando é que tudo isto acabará?

Tudo acaba, também o mal. Também a paciência. O mundo vai acabar, seja qual for o mundo. Este é um dos momentos da história em que se pressente a proximidade de um fim, que as traves da existência comum fraquejam e vão ceder. Tudo acaba. Pode ser este hemisfério norte suspenso no ar da história, pode ser a humanidade no seu conjunto incluindo os eleitores do Chega, pode ser a minha aldeia – a mais linda de todas, de céu azul como não há em mais lado nenhum, com intelectuais, nómadas, cantoras, o senhor Aires da junta e os pombos que comem migalhas. Pode ser o indiferente corpo celeste a que chamam terra – um nome abusivo, só porque foram mamíferos pulmonados, e não peixes, os primeiros a descobrirem a sua redondez achatada e a útil solidez do chão. Pode ser o universo com os seus triliões de sóis. Pode ser qualquer um destes ou, principalmente, o mundo de duas assoalhadas perto de tudo, emprego no estado, um Clio de 2019 em segunda mão e uma esposa adquirida como nova. Todos estes mundos existem, e muitos outros – os maiores desde quase sempre, os mais pequenos desde há pouco tempo.

Não é prático especular sobre que mundo impende o risco mais premente de extinção. Alguns são demasiado grandes para que o esforço humano tenha mão neles, outros demasiado pequenos para que exista mérito em salvá-los. Ninguém salvará o planeta, que se salvará a si próprio, e salvar um casamento não passa de um feito doméstico. Faz sentido, apenas, decidir o que necessita, pode e merece ser salvo – tão grande quanto possível e suficientemente pequeno para que esteja ao alcance do homem. Em Portugal discute-se a lei da nacionalidade. Por detrás de um assunto de papéis o que está em causa é a definição de um território identitário – um território de valores, com passado e com futuro, onde cada um se reconheça e sinta seguro.

Qual é o mundo do homem, o mundo à dimensão humana?

Cada um escolhe o seu próprio mundo, à sua medida. São cada vez menos os que têm vários mundos, que aceitam os inúmeros mundos desconhecidos dos outros e tentam compreendê-los. São em muito maior número os que apenas conhecem a pequena gaiola onde voltam à noite e onde guardam os seus objectos de estimação – o cônjuge, o prato, a televisão, a sanita…

O mundo de cada um sempre foi sustentáculo de disputas fortemente centradas na ocupação territorial – um lenço de terra com uma oliveira, uma colina estratégica ou um país inteiro. Mesmo no auge dos grandes conflitos religiosos era a dominação do terreno que dava sentido à vitória, mais do que a ocupação das consciências. Em 1945, o confronto entre as democracias e o comunismo ocupou os bastidores de Yalta e só a disposição festiva de Roosevelt e a manhosice torva de Estaline levaram a que fosse celebrado como um tratado de paz o que devia ser, na sua essência, o seu contrário – uma declaração de que o mundo tinha excelentes condições........

© Observador