Em Espanha, quando o rei Juan Carlos se viu envolvido num escândalo financeiro as instituições exilaram-no no Abu Dhabi para garantirem a continuidade da Coroa. No Reino Unido, para não prejudicar a monarquia, o príncipe André foi afastado depois do escândalo Epstein. Paulatinamente voltam porque não há aproveitamento da posição ou mal que se faça ao país que altere o direito hereditário. Em Portugal, o PS também tem de si esta ideia dinástica. Abalado por escândalos sucessivos — o último de proporções inimagináveis atingindo o núcleo duro de um governo em funções – que em dois anos de maioria absoluta fizeram cair 14 membros do governo, entre eles o primeiro-ministro e o novo Secretário-Geral – o Partido Socialista pôs as suas velhas e novas guardas a declararem que deviam continuar a governar com os mesmos protagonistas, menos António Costa, sem eleições.

Será um insulto deliberado à inteligência dos portugueses, pouca consideração por nós, alheamento total do que se passa no País?

António Costa continua em campanha pessoal como se não fosse responsável por nada.

Para Carlos César parece valer tudo, menos abalar a estabilidade política, e Mendonça Mendes (quem?) , numa entrevista inenarrável, disse mesmo que não se devem dramatizar as situações (terá mesmo dito que o PS foi impedido de governar — porque as regras da democracia aconteceram, subentende-se das razões que invoca –? Não posso crer!): a detenção do agente de negócios do Estado que foi publicamente empossado pelo primeiro-ministro no cargo de seu melhor amigo, a reincidência de João Galamba e o pináculo atingido com os 78 mil euros em notas do chefe de gabinete escondidos nos livros de S. Bento seriam só um acidente de percurso.

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Blair admirava Thatcher pelo projeto claro que deu aos Conservadores. Alucinaria com a clareza do projeto do PS: o Estado é deles, é uma questão de ir substituindo as peças. Nada, absolutamente nada, tem consequências.

Nem isto, nem o estado do País após oito anos no governo, os dois últimos com maioria absoluta. O mesmo Mendonça Mendes não queria eleições porque a estabilidade política é relevante se significar estabilidade de políticas e acha que o país beneficiou muito nos últimos oito anos da estabilidade das políticas porque deram bons resultados (estou a citar).

Vejamos o balanço a janeiro de 2024: um sentimento generalizado de impunidade perante a corrupção, desde os 300 mil euros que um Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro pagou pelo pavilhão que não existe em Caminha, ao último caso que em novembro fez cair o governo estrondosamente; em dezembro, a confiança dos consumidores, após ter diminuído nos quatro meses anteriores, foi de -26, contra os -30,8 registados em novembro. Não obstante a melhoria, está ainda em níveis de setembro, quando se situou nos -26,1; os despedimentos coletivos até novembro de 2023 superaram o valor anual de 2022 e 2021, dados da Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho.

Isto enquanto a degradação do Serviço Nacional de Saúde salta aos olhos: nunca tantos portugueses estiveram sem médico de família, as urgências que estão abertas chegam a ter tempos de espera de 16 horas; desde 2017 que não morriam tantas pessoas no início do ano, nem na pandemia; morreu uma idosa à espera na urgência em Penafiel onde se amontoam macas; muitos centros de saúde por Portugal fora fecham às quatro da tarde, alguns dias ao meio dia. Acresce que nestes sítios é preciso ter transporte para chegar ao hospital mais próximo (menos mal que a taxa de execução do plano ferroviário lançado por este governo é alta. Ou não?).

As listas de espera são imensas, o diretor-executivo do SNS não se coibiu de dizer que o acesso – efetivo — é um problema real. Disse também que, no início de 2023, havia hospitais com doentes à espera por uma consulta há oito anos, “E não eram doentes irreais. Eram doentes que esperavam seis anos por uma cirurgia e o sistema estava tranquilo”; medicina preventiva é cara, nem vê-la, paliativa idem; mulheres com cancro da mama tiveram de lutar pela comparticipação generalizada de medicamentos que aumentavam a sua hipótese de sobrevivência.

Para além disso os salários e as pensões são transversalmente baixos, os preços altos e temos a maior carga fiscal de sempre para cidadãos e empresas, estamos transformados em máquinas de pagamento do sistema; a burocracia, agora digitalizada, faz o resto para sufocar o crescimento de qualquer corpo estranho; dois terços dos salários base estão abaixo de mil euros, o salário mínimo será de 820 euros. Em Espanha, por exemplo, será de 1.123. Segundo o Eurostat, o salário mínimo praticado em Portugal aparece em 11º lugar na tabela europeia; no terceiro trimestre de 2023, o salário bruto mensal dos portugueses era, em média, de 1438 euros; há pensões de 300 euros e nem uma medida anunciada para corrigir a injustiça das pessoas, sobretudo mulheres, que trabalharam toda a vida em casa, mas não descontaram.

Na velhice, a sociedade que louva as mães, os cuidadores, as mulheres e etc, entende que o valor económico desse trabalho de uma vida é próximo de ZERO; nunca foi tão caro comprar ou arrendar casa; cada vez mais jovens emigram à procura de melhores condições de vida e não querem regressar a Portugal. Portugal é mesmo o país da UE onde os jovens se emancipam mais tarde por causa da falta de independência económica;

Isto sem esquecer que não há aulas, nem professores, os resultados do PISA mostram uma política de educação, um motor de mobilidade social, falhada – piores resultados nos testes desde 2006,os alunos portugueses pioraram brutalmente a matemática e leitura.

Por fim os resultados do último inquérito às condições de vida e rendimento em Portugal, realizado em 2023 sobre rendimentos do ano anterior, indicam que a taxa de risco de pobreza em Portugal é de 41,8% antes de qualquer transferência social, descendo para 17% depois delas, mais 0,6 p.p. do que em 2021; a Roménia ultrapassou-nos no PIB per capita; etc, etc, etc.

E quem, segundo o presidente do Partido Socialista, Carlos César, seria o melhor para consolidar estes “sucessos alcançados, corrigir os erros cometidos e avançar mais depressa e com mais firmeza no muito (afinal…) que há a fazer na saúde, na educação e na habitação”? O PS rejuvenescido! Rejuvenescido como?

Vamos para eleições, em Portugal não se passa o poder político como uma coroa.

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Era uma vez um país pobre, e estável politicamente

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11.01.2024

Em Espanha, quando o rei Juan Carlos se viu envolvido num escândalo financeiro as instituições exilaram-no no Abu Dhabi para garantirem a continuidade da Coroa. No Reino Unido, para não prejudicar a monarquia, o príncipe André foi afastado depois do escândalo Epstein. Paulatinamente voltam porque não há aproveitamento da posição ou mal que se faça ao país que altere o direito hereditário. Em Portugal, o PS também tem de si esta ideia dinástica. Abalado por escândalos sucessivos — o último de proporções inimagináveis atingindo o núcleo duro de um governo em funções – que em dois anos de maioria absoluta fizeram cair 14 membros do governo, entre eles o primeiro-ministro e o novo Secretário-Geral – o Partido Socialista pôs as suas velhas e novas guardas a declararem que deviam continuar a governar com os mesmos protagonistas, menos António Costa, sem eleições.

Será um insulto deliberado à inteligência dos portugueses, pouca consideração por nós, alheamento total do que se passa no País?

António Costa continua em campanha pessoal como se não fosse responsável por nada.

Para Carlos César parece valer tudo, menos abalar a estabilidade política, e Mendonça Mendes (quem?) , numa entrevista inenarrável, disse mesmo que não se devem dramatizar as situações (terá mesmo dito que o PS foi impedido de governar — porque as regras da democracia aconteceram, subentende-se das razões que invoca –? Não posso crer!): a detenção do agente de negócios do Estado que foi publicamente empossado pelo primeiro-ministro no cargo de seu melhor amigo, a reincidência de João Galamba e o pináculo atingido com os 78........

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