A figura de deputado é, para quem entende o seu verdadeiro significado, um cargo de uma elevada responsabilidade. Ser deputado- embora não sendo conhecido pelo eleitor- significa ter na mão um mandato que em nome desse mesmo eleitor se propõe a conduzir a política do país de acordo com as propostas que o partido pelo qual concorreu se compromete.

Há no momento da sua eleição até ao término da legislatura uma espécie de relação política de confiança entre ele e quem o elegeu, mas em primeiro lugar, existe a anteriori uma outra relação trabalhada e discutida que permitiu ao deputado ser em primeiro lugar candidato. Essa relação primeira é estabelecida com o partido político que definiu uma estratégia, uma posição e um projeto político, permitindo que o deputado eleito concorresse numa determinada posição de elegibilidade.

Quem elege um deputado, espera que ele seja de alguma forma a sua voz, um deputado é o representante máximo do povo no parlamento recebendo em seu nome o poder do exercício legislativo.

Acontece, por diversas razões que o deputado eleito por um determinado partido pode em certas ocasiões não concordar com algumas decisões ou orientações do partido que representa, e o regulamento em vigor permite que o deputado possa sair do partido para o qual foi eleito e passe a exercer as suas funções como “ deputado não inscrito em grupo parlamentar”.
O deputado não inscrito perde vários direitos em relação aos demais deputados. Um dos principais direitos que perde é a possibilidade de questionar o primeiro-ministro nos debates quinzenais, conquista que os deputados únicos haviam conseguido. As declarações políticas que pode fazer passam de três para duas em cada ano da legislatura, com a duração de um minuto cada uma, perdendo ainda o direito a propor, uma vez por ano, o tema que se discute numa sessão plenária. Perde ainda o direito a intervir nos debates do Estado da Nação e do Programa do Governo
O deputado não inscrito pode ingressar em algumas comissões, a pedido, mantendo o direito de ser informado sobre as ordens de trabalho da Conferência de Líderes no próprio dia. Este tipo de deputado tem direito de iniciativa, podendo apresentar um projeto de lei, mas não pode pô-lo à votação nem ao debate no plenário.
Porém, o que o deputado não inscrito em grupo parlamentar não perde – por ser segundo o regulamento na Assembleia da República ainda deputado – é evidentemente o seu salário. Está em funções, embora limitadas com atrás se refere.
A questão que trago à reflexão, é perceber então a função por via do mandado conseguido – na relação entre eleito e eleitor- de um deputado.
Este, ao ser eleito, estabeleceu com alguém um vínculo político, materializando esse vínculo por via da lei sempre de acordo com as propostas apresentadas à anteriori- antes da eleição através de um partido político.

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Se atrás já se afirmou que um deputado em determinadas condições pode não concorda com o partido político que representa, embora o mandato conseguido seja pessoal e não do partido, fará sentido continuar a exercer as suas funções fora do “círculo” pelo qual foi eleito quando deseja abandonar o seu grupo parlamentar ou a direção do seu partido?

É certo que o mandato é pessoal mas a sua eleição só foi possível dentro de um determinado quadro partidário e de um determinado lugar -posição- oferecida ao candidato e por ele aceite.
Fará sentido, do ponto de vista da respeitabilidade política, leia-se, respeito pelo eleitor, que o deputado ao querer sair do seu grupo parlamentar por não se rever e não concordar com a linha seguida pelo partido que foi eleito passe a ser “ deputado não inscrito “?
Quem é que este deputado nesta nova qualidade recheada de restrições, então representa?

Dirão muitos que por um deputado possuir um mandato estreitamente pessoal continuará a representar aqueles que o elegeram quando o seu nome fazia parte das listas de candidatos. Lamento então
discordar.
Um deputado não inscrito no grupo parlamentar não representa ninguém. Ou seja, com a tomada de decisão de abandonar o seu partido, este deputado, politicamente deixou de representar quem o elegeu. Ele foi eleito no quadro de um contexto que ele próprio defendia que por razões pessoais – ou tácticas- deixou de defender. Ao fazê-lo , cai politicamente o mandato conseguido.
Quero porém ressalvar que o tema para o qual convido o eleitor o reflectir é estritamente político. A questão jurídico-constitucional sobre o tema terá uma outra leitura e uma outra e larga dimensão.
O eleitor- que nem conhece o deputado que elegeu- votou de facto nele e deu-lhe um mandato político que passa a ser pessoal no dia da eleição até ao cessar das funções mas esse mandato foi conseguido em nome de um partido e não em nome individual.
Não há deputados a serem eleitos individualmente . Todos -independentes incluídos- são eleitos porque fazem parte de um conjunto de nomes que formam uma determinada lista e estão em determinadas posições elegíveis.

Ora, não havendo condições pessoais para que na qualidade de deputado eleito numa lista partidária se exerça o seu mandato e o titular desse tão precioso bem político deseje sair do seu grupo parlamentar no qual foi eleito – e que facto lhe permitiu receber o poder – qual a razão para ele permanecer no parlamento como deputado não inscrito?
Sairia este deputado do seu partido antes do fim da legislatura se não existisse a figura de “ não inscrito” auferindo salário ?

O eleitor não sabe quem são os deputados eleitos. A figura de deputado não inscrito talvez tivesse cabimento num cenário de um sistema eleitoral diferente. Talvez com existência de círculos uninominais, onde verdadeiramente se conhece o eleito e assim se daria mais força à figura política de deputado de não inscrito.

O verdadeiro deputado, aquele que assume a responsabilidade e leva a sua função de modo sério provido de ética e de sentido de Estado, em condições de ruptura com o seu partido, iria à sua vida. Abandonaria o Parlamento.
Ser-se deputado, tendo em conta o nosso actual sistema eleitoral, exige mais transparência e mais confiança na relação a estabelecer com o eleitor.
Ou se está lá a trabalhar em nome do povo que elegeu ou cessa a relação política criada quando não concorda com o rumo do partido que criou as condições para a sua eleição. Ou seja, se um deputado é deputado, ao partido em primeiro lugar o deve.
Passar para qualidade de “ não inscrito”, não é nada. Não é democrático, não representa ninguém e na verdade só cheira a tacho.

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Deputado não inscrito não é deputado, é um tacho

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01.02.2024

A figura de deputado é, para quem entende o seu verdadeiro significado, um cargo de uma elevada responsabilidade. Ser deputado- embora não sendo conhecido pelo eleitor- significa ter na mão um mandato que em nome desse mesmo eleitor se propõe a conduzir a política do país de acordo com as propostas que o partido pelo qual concorreu se compromete.

Há no momento da sua eleição até ao término da legislatura uma espécie de relação política de confiança entre ele e quem o elegeu, mas em primeiro lugar, existe a anteriori uma outra relação trabalhada e discutida que permitiu ao deputado ser em primeiro lugar candidato. Essa relação primeira é estabelecida com o partido político que definiu uma estratégia, uma posição e um projeto político, permitindo que o deputado eleito concorresse numa determinada posição de elegibilidade.

Quem elege um deputado, espera que ele seja de alguma forma a sua voz, um deputado é o representante máximo do povo no parlamento recebendo em seu nome o poder do exercício legislativo.

Acontece, por diversas razões que o deputado eleito por um determinado partido pode em certas ocasiões não concordar com algumas decisões ou orientações do partido que representa, e o regulamento em vigor permite que o deputado possa sair do partido para o qual foi eleito e passe a exercer as suas funções como “ deputado não inscrito em grupo parlamentar”.
O deputado não inscrito perde vários direitos em relação aos demais deputados. Um dos principais direitos que perde é a possibilidade de questionar o primeiro-ministro nos debates quinzenais, conquista que os deputados únicos haviam conseguido. As declarações políticas que pode fazer........

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