Orfeu, Plotino e uma casa em chamas
Há manhãs em que o mundo parece mais leve porque algo lhe foi retirado. Talvez não mais leve, mas mais fino, como um pergaminho raspado uma e outra vez à lâmina. Os monges chamavam rasura a esse adelgaçamento que permitia uma nova escrita, sem nunca apagar completamente a anterior. Assim opera a perda: um lugar, uma pessoa, um objecto removido – e, contudo, a remoção é uma escrita, abre a consciência, deixa vestígios na trama. De repente, aquilo a que chamamos eu torna-se legível, como se precisasse do vazio para tomar forma.
Os antigos sabiam que toda a revelação exige subtração. O oráculo de Delfos, afinal, “não diz nem oculta, mas insinua”. Esta meia-palavra, esta recusa, é já uma forma de verdade. Ausência como manifestação oblíqua. Entra-se no templo, e aquilo que falta – o corpo do deus, a profecia, a palavra – torna-se a própria condição para o pensamento. Escuta-se, e o que não se ouve torna-se aquilo que transforma o ouvinte.
Pergunto-me frequentemente porque é que os momentos mais marcantes da consciência são aqueles que nos chegam pelo desaparecimento. Talvez porque a presença, a presença plena, seja avassaladora: cega, como olhar fixamente para o sol. Só quando algo se retira – quando o amado parte, quando a casa arde, quando o brinquedo da infância desaparece – é que o espírito começa: a ausência aguça as arestas da realidade.
Não será eloquente que o instante crucial da história de Orfeu não seja o da morte de Eurídice, nem o da sua recuperação, mas o da sua segunda perda – o seu desaparecimento precipitado por um único gesto proibido? Ele vira-se, vê e, ao vê-la, perde-a. A tragédia de Orfeu não é a desobediência, mas o facto de ver ser incompatível com a posse. A presença evapora-se sob o olhar. A visão é uma forma de consumação que queima o que se vê. Olhamos e perdemos. Agarramos e o mundo escapa-nos. Será então a ausência uma presença? Talvez a mais tangível que conhecemos.
Observe-se como um quarto retém o contorno de um corpo muito tempo depois de este ter partido. O ar perturba-se. A cama fica oca de uma forma que já lá não está. As tábuas do soalho recordam o peso. Há uma física na ausência: tem volume. Pressiona o........





















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