Arrependimentos e a cegueira de Édipo
O corpo é a primeira noite da nossa herança. Antes do primeiro vagido, antes que a linguagem ferisse as paredes macias do ouvido, já estávamos imersos nesta antiga obscuridade da carne. É uma escuridão mais antiga que a ancestralidade, mais antiga que a linhagem, mais antiga até que o mito. Ao corpo, os gregos chamavam σάρξ (sarx), palavra que carrega o suave peso da substância perecível, da carne exposta. Os latinos, mais severos, falavam de corpus, um termo já ressonante no som da queda, do cadáver, da rendição que todo o ser vivo deve um dia cumprir. Nessa dupla etimologia – sarx, tremor; corpus, colapso – oculta-se a nossa primeira vergonha. A vergonha não se aprende – precede a gramática do erro, emerge qual vapor frio do próprio corpo, como se o conhecimento mais antigo que possuímos fosse o de sermos vistos.
Esse vapor habita as fissuras anteriores à articulação, os tremores arcaicos que persistem sob as camadas da fala. Apercebemo-nos da alma como um sedimento subtil agitado pelo suave martelar do corpo. A carne estremece e o pensamento segue-a. Possuir um corpo é já estar comprometido, exposto ao olhar, penetrado pelo tempo. Há nessa exposição uma humilhação primitiva. Antes que qualquer falta seja cometida, antes que qualquer peso moral desça, o corpo permanece ali – nu, secreto, poroso – carregando uma vergonha que não tem origem fora de si mesmo.
A criança é lançada da escuridão materna para o encadeamento interrogativo do mundo. Esse encadeamento não é luz, mas julgamento. O olhar do outro torna-se a primeira lei. Os romanos chamavam ao recém-nascido infans, literalmente “aquele que não pode falar”. Mas o corpo fala muito antes da língua. Contrai-se, arqueia, esconde-se, enrola-se, treme. Recorda. E a memória é a mais antiga das feridas. No momento em que nos damos conta de sermos observados, abre-se em nós uma fina brecha, como a primeira fractura no gelo de um lago no inverno. A vergonha infiltra-se nela e aí faz morada.
A tragédia antiga sabia-o muito bem: Édipo cega-se não apenas pelos crimes que cometeu, mas também pela insuportável clareza do........





















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