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O Regresso à Terra

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O adeus a quem amamos é um silêncio que se instala na alma. Não é a ausência de som, mas a presença de um vazio que ecoa em cada canto da casa, em cada hábito quebrado, em cada celebração futura que, sabemos, nunca mais será a mesma. A morte do meu sogro, o Sr. Lebre, na serenidade dos seus quase noventa anos, trouxe consigo esse silêncio. Um silêncio pesado, denso, que se sente fisicamente, como uma pressão no peito. É o silêncio que grita a sua ausência no lugar vazio à mesa, no telefone que não toca com a sua chamada diária, na voz que já não se ouve a chamar pela minha sogra ou a pedir para ver o neto. Era um homem de uma cultura imensa, não a cultura ostensiva dos académicos, mas a sabedoria tranquila de quem leu uma vida inteira. A sua mesa de sala, sempre atulhada de livros, era um mapa das suas curiosidades, e os seus olhos brilhavam ao partilhar uma história, uma data, um facto que acabara de descobrir. A sua lucidez era um farol, uma prova de que a alma não envelhece quando é movida pelo amor ao conhecimento e pela vontade de saber.

O velório, um abraço coletivo de carinho, foi um testemunho do seu impacto nas vidas que tocou. Cada aperto de mão, cada olhar de compaixão, era um fio de luz na escuridão da perda. Naqueles momentos, a comunidade tece uma rede de suporte invisível, mas poderosa. É a partilha da dor que a torna, não menor, mas mais suportável. O enterro, triste e choroso, mas estranhamente sereno, foi o prelúdio de uma nova realidade. Ali, no cemitério onde o único som é o dos pássaros e do vento, prometemos regressar todos os meses. Não por obrigação, mas pela necessidade de conversar com ele, de manter viva a sua presença. Uma promessa sussurrada ao vento, uma forma de tecer a sua memória no tecido dos nossos dias, um ritual que nos ancora à realidade da sua partida e, paradoxalmente, à continuidade da sua existência dentro de nós.

Da sua campa, avista-se a torre do castelo do Alandroal, a mesma que ele tinha numa fotografia em sua casa, um portal para as suas memórias de infância. Um regresso às raízes, à terra-mãe alentejana que tanto amava. Há uma poesia profunda e agridoce neste regresso, uma sensação de ciclo que se fecha. A paisagem que o viu nascer, com as suas planícies ondulantes e sobreiros ancestrais, é a mesma que agora o acolhe no seu descanso final. E é neste regresso, nesta conexão primordial com a terra e com a paisagem da sua vida, que encontramos um consolo que a era digital, com as suas promessas de imortalidade virtual, parece incapaz de oferecer. A terra, na sua honestidade brutal, não nos ilude. Acolhe, transforma e integra. É um ciclo de matéria e memória, de onde viemos e para onde todos, invariavelmente, retornaremos.

Esta busca por consolo é universal, mas as ferramentas que usamos para o encontrar estão a mudar drasticamente. A nossa sociedade contemporânea, tão avessa à dor e ao........

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