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Histórias com Ternura - #Andorinha a Mula

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“Considero-me feliz. Não cobro demasiadas expectativas à vida e estou acomodada à rotina que tenho. Resultei dos “amores” entre dois seres que num fim-de-tarde consumaram uma relação improvável. Os meus progenitores conheceram-se e apreciaram-se num bucólico estábulo, e como o feno, para além de alimento do corpo, também puxa às coisas do sentimento, passados quase 12 meses nasci eu, uma mula a que chamam de “Andorinha”. E esta é a minha história, a história de “Andorinha”, a Mula.

Meu pai, um belo cavalo, ao que dizem, deu aos cascos muito cedo. Ao que me contam partilhou o feno com a minha mãe durante umas semanas e nunca mais foi visto nas redondezas. Os outros animais já a tinham avisado que esse cavalo não era animal que prestasse. Só se interessava pelas coisas do feno. Porém, minha mãe, burra e ingénua que era nas artes do feno, deixou-se encantar pelas longas crinas do pedante e aninhou-se no relinchar meloso de quem mente com quantos dentes tem no focinho. Satisfeito várias vezes, o pretensioso, saiu ufano do estábulo e da vida singela de minha mãe. Nunca mais ninguém o viu e, segundo sussurravam as más-línguas, continuou durante muitos anos a espalhar o sémen por outros estábulos ali bem próximos.

Minha mãe era muito dedicada à atividade física. Levantava-se cedo e, mal a “criadagem” lhe dava feno ou ervas frescas, conforme a época do ano, lhe limpavam a estrebaria e colocavam feno fresco para que ficasse cómoda o dia todo, logo ficava pronta para as atividades do dia.

Como o nascer do sol estimula a atividade física, o Sr. Caetano Dias, um misto de “valet de quarto” e “personal trainer”, equipava-a adequadamente para que pudesse fazer o seu exercício matinal. Depois de uma hidratação rotineira, com que sempre antecipava os exercícios de “e”, colocavam-lhe umas cargas com um formato de sacos e que carregava durante quilómetros, para depois regressar, ao local de partida, mais leve, mas pronta para uma nova série. O treino poderia durar horas, normalmente a manhã toda e habitualmente terminava com um concentrado energético na forma de uma cenoura ou um qualquer bolbo ou tubérculo.

Com a “prenhez”, e mais tarde durante a minha infância, a minha mãe reduziu a atividade física ao mínimo. Esse período durou quase um ano. Quando ganhei suficiente força nas patas, comecei a acompanhá-la nos exercícios que fazia. Percebi então que normalmente castigava o corpo duas vezes por dia. De manhã fazia regularmente cargas em séries variáveis e distâncias aleatórias que interrompia quando o Sr. Caetano, encontrava outros serviçais da sua relação. Depois de uma breve conversa, a que a minha mãe sempre........

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