“Aos amigos os favores, aos inimigos, a lei.”
(Maquiavel)

Há dois anos escrevi aqui um artigo intitulado “Futuro verde: temos mesmo de destruir a natureza?” onde apontei o dedo à conduta de Matos Fernandes e do qual vos deixo este excerto:

“Pois é, tal como a natureza, também as pessoas são secundárias nestes processos. O que também não é nenhuma novidade, bastando atender à chacina da Torre Bela a antecipar o resultado do Estudo Ambiental, ou aos contratos de Lítio assinados com a Participação Pública a decorrer. É o “quero, posso e mando” ao serviço de um futuro verde. (…) O que temos mesmo Sr. Ministro, é de acabar com o obscurantismo, trocando-o por boas práticas. O que temos mesmo é de exigir que o seu ministério se preste a informar, envolver, saber escutar, apelar à participação, estabelecer compromissos, debater prós e contras, a primar pela transparência…”

Sábado último, Costa quis contrariar “ideias muito perigosas” de que os governantes “não devem agir para atrair investimentos, resolver problemas” ou “simplificar procedimentos burocráticos”. “Promover o desenvolvimento regional, retirar a burocracia, promover a transparência são opções deste governo e exigem determinação. Sempre, sempre no estrito cumprimento da lei”, acrescentou.

Não sei o que é pior, se é Costa fingir que não percebe ou se na verdade não percebe mesmo o que está sob investigação ou o que é condenável na sua conduta.

A máquina do Estado inferniza diariamente a vida aos seus cidadãos – estes, coitados, não são certamente amigos. Exemplos não faltam, alguns dos quais a Iniciativa Liberal tentou nesta legislatura descomplicar, como sejam as barreiras burocráticas ao investimento ou à construção, as matrículas escolares ou as portagens das SCUT, até obrigações ridículas como sejam as banheiras e bidés nas casas de banho… Tais propostas ainda foram ridicularizadas por muita gente, daquela que se convenceu que a Lei das Beatas do PAN resultaria em ruas limpas.

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Leis em cima de leis, taxas em cima de taxas, licenças, certidões, alvarás, papeis e mais papeis… É toda uma forma de governar errada por desconfiar da boa fé dos cidadãos que por seu lado são obrigados a reconhecer o Estado enquanto pessoa de bem: como há pecadores, para os apanhar apertam-se as regras, mas o pecador desenrasca-se (sim, esta forma de exercer poder é também ela responsável pelo desenrascanço), e quem sofre é a maioria dos… justos! Pelo que exemplos a somar aos do parágrafo anterior, resultavam numa lista interminável – do registo de galinhas à licença municipal para matar um cabrito, passando pela contraordenação por despejar óleo na sanita (talvez para o dia em que cada um de nós tenha um polícia na casa de banho), nos vouchers para combustíveis, entre muitas outras como sejam uma lei contra espécies invasoras com 300 espécies (quando os GNR talvez nem 30 conheçam), ou há 4 anos para uma caçada extraordinária a javalis o caçador ser obrigado a preencher 6 formulários ou ainda o velho pastor de um lugar remoto sem sequer ter acesso fácil a audiovisuais, a fazer inscrição e preencher formulários on-line para pedir uma compensação por um ataque de lobos.

Desta vez foi o governo a provar este veneno: o interesse nacional esbarrava num conjunto de regras e procedimentos, o que complicava e atrasava a coisa – não inviabilizava, atenção, mas dava muito trabalho em justificações e levava muito tempo a ver a luz do dia, coisa que os governantes não gostam por motivos vários (uns legítimos outros nem tanto, mas não vou falar de amigos porque estes foram renegados…)

Um veneno que é um convite a agilizar procedimentos, contornar barreiras, desatar nós, o que por outras palavras significa desrespeitar as regras e procedimentos… Não Dr António Costa, isso não é “retirar a burocracia” muito menos “promover a transparência” e pior, não é no “estrito cumprimento da lei”.

É que simplificar e desburocratizar faz-se com legislação, programas e reformas, que de facto muita falta faziam até para promover a transparência e evitar o que é praticamente um convite para secundarizar a lei…

Costa pode achar que dado o (alegado) grande interesse nacional dos projetos tais empecilhos legais eram contra esse interesse nacional. Todavia, essa é que é uma ideia muito perigosa: achar que os fins justificam os meios, e que por isso os seus facilitismos, agilizações, informalismos, etc., estavam bem justificados, até porque eram… bem intencionados!

“De boas intenções está o inferno cheio”, já dizia o meu avô.

Costa, pelos vistos, não aprendeu a lição. E os portugueses que todos os dias sofrem com a ineficiência da máquina do Estado e seu complicómetro, será que aprenderam e que exigirão simplificação de regras e procedimentos, com mais confiança nos cidadãos, mais liberdade (e respetiva responsabilidade – punam-se os infratores quando os há) e mais transparência? Ou sabendo que as coisas por cá e com este sistema, não andam, não funcionam, escolherão mais uma figura que com um estilo “quero, posso e mando”, contorne, facilite, e lance isto tudo outra vez no pântano?

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QOSHE - Costa provou do próprio veneno - João Adrião
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Costa provou do próprio veneno

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17.11.2023

“Aos amigos os favores, aos inimigos, a lei.”
(Maquiavel)

Há dois anos escrevi aqui um artigo intitulado “Futuro verde: temos mesmo de destruir a natureza?” onde apontei o dedo à conduta de Matos Fernandes e do qual vos deixo este excerto:

“Pois é, tal como a natureza, também as pessoas são secundárias nestes processos. O que também não é nenhuma novidade, bastando atender à chacina da Torre Bela a antecipar o resultado do Estudo Ambiental, ou aos contratos de Lítio assinados com a Participação Pública a decorrer. É o “quero, posso e mando” ao serviço de um futuro verde. (…) O que temos mesmo Sr. Ministro, é de acabar com o obscurantismo, trocando-o por boas práticas. O que temos mesmo é de exigir que o seu ministério se preste a informar, envolver, saber escutar, apelar à participação, estabelecer compromissos, debater prós e contras, a primar pela transparência…”

Sábado último, Costa quis contrariar “ideias muito perigosas” de que os governantes “não devem agir para atrair investimentos, resolver problemas” ou “simplificar procedimentos burocráticos”. “Promover o desenvolvimento regional, retirar a burocracia, promover a transparência são opções deste governo e exigem determinação. Sempre, sempre no estrito cumprimento da........

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