Crença, preconceito e radicalismo pueril encobrem de lixo e poeira a história, deixando apenas passar por estreitas frestas pequenas partes iluminadas da vida de personagens públicas. Em artigo publicado na Revista “Em tempos de histórias”, do corpo discente do programa de Pós-Graduação em História da UnB (2021), Fernando Mendes Coelho buscou encontrar as conexões entre dois ilustres intelectuais e agentes públicos, Roberto Campos (O liberal) e Celso Furtado (o desenvolvimentista). A pergunta em seu título - “O desenvolvimento de Furtado e o liberalismo de Campos?” - é, em si, açulador.

Mendes Coelho, na introdução, afirma “não vou rotular nossos dois economistas, pois, a vasta literatura do pensamento econômico já se encarregou de fazer isto. Logicamente não vou negar o viés desenvolvimentista nacionalista de Furtado, nem as fases pelas quais passou Roberto Campos desde que foi um desenvolvimentista não nacionalista, até ser um liberal convicto”.

Interessante observar que Roberto Campos foi, no primeiro governo militar, ministro do Planejamento, cargo que Celso Furtado ocupara, pouco antes, no governo João Goulart. Apesar de servirem a governos radicalmente diferentes, não eram tão distantes quanto as aparências parecem mostrar.

Em relação à criação da CEPAL, assim se expressou Furtado (1997) sobre seu primeiro encontro com Campos: “A geração jovem da carreira diplomática inclinava-se a favor da CEPAL, particularmente aqueles que haviam servido algum tempo nas Nações Unidas, em Nova York. Era o caso de Roberto de Oliveira Campos, que eu encontrava pela primeira vez. Descobrimos rapidamente muitos pontos de vista em comum, e fizemos boas relações”.

Por seu lado, Campos (1994) anotou em suas memórias “Visitei Santiago do Chile, em janeiro de 1953, como diretor econômico do BNDE, para solicitar a assistência técnica da CEPAL para o planejamento brasileiro, indicando expressamente a Raul Prebish o desejo de contarmos com Celso Furtado como chefe do grupo da CEPAL”.

As influências desenvolvimentistas cepalinas estão visíveis no Plano de Ação Econômica de Governo (PAEG) de Roberto Campos, quer na metodologia de planejamento governamental, quer na elaboração do programa de reformas estruturais – que incluiu, inclusive, a redistribuição de terras (Lei 4504/64) concebida no governo Goulart -, requisitos fundamentais, à época, para a industrialização via substituição de importações e o crescimento da economia.

Vale a pena relembrar as condições necessárias para o desenvolvimento democrático na visão de Roberto Campos no PAEG. A primeira, necessária, mas não suficiente, é querer, ou seja, adotar a motivação e a linha de ação que levem ao desenvolvimento; e a segunda, é rigor científico, bom senso e participação da sociedade. Recomendações tão atuais nos tempos de hoje.

QOSHE - Sem preconceitos - Paulo Paiva
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Sem preconceitos

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15.12.2023

Crença, preconceito e radicalismo pueril encobrem de lixo e poeira a história, deixando apenas passar por estreitas frestas pequenas partes iluminadas da vida de personagens públicas. Em artigo publicado na Revista “Em tempos de histórias”, do corpo discente do programa de Pós-Graduação em História da UnB (2021), Fernando Mendes Coelho buscou encontrar as conexões entre dois ilustres intelectuais e agentes públicos, Roberto Campos (O liberal) e Celso Furtado (o desenvolvimentista). A pergunta em seu título - “O desenvolvimento de Furtado e o liberalismo de Campos?” - é, em si, açulador.

Mendes Coelho, na introdução, afirma “não vou rotular nossos dois economistas, pois, a vasta literatura do........

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