Matéria neste jornal, na edição de terça-feira passada, tratou da possibilidade de ser fechado, até dezembro, acordo relativo à tragédia de Mariana, ocorrida em 2015. A demora para chegar a um bom termo não deve ser atribuída a dificuldades técnicas.
As dores das perdas de vidas e do ambiente sociocultural são irreparáveis. Reparações não apagam memórias. Resta, pois, fazer a justiça possível, com solidariedade e respeito aos atingidos.

Sem prejuízo das penas a serem aplicadas aos culpados, a reparação e a compensação pelos danos difusos são complexas, e, para evitar processos judiciais infindáveis, melhor submetê-las a negociação.

No caso do desastre de Brumadinho, que o governo de Minas quer utilizar para o acordo de Mariana, o rio Brumadinho é da jurisdição apenas do Estado, e a responsabilidade da tragédia é exclusiva da Vale. O acordo fechado diretamente entre a Vale e o governo de Minas resultou no repasse de R$ 37,7 bilhões para os cofres do Estado, sem restrições de uso. Maior parte desses recursos a ser repassada para municípios não atingidos pela tragédia e para projetos do governo, também em regiões não afetadas. Um desrespeito imoral aos atingidos.

No caso de Mariana, ao contrário, a complexidade é ainda maior, porque o rio Doce está submetido à jurisdição federal, incluindo, além da União, os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, territórios pelos quais o rio corre, e duas empresas – Vale e BHP – proprietárias da Samarco.

Repetir o modelo de Brumadinho no caso de Mariana seria repetir a imoralidade da aplicação dos recursos acordados para outras finalidades, além de que os atingidos diretamente pelo desastre seriam também tratados como incapazes.

Esses parecem ser os pontos de discórdia entre Minas e a União. Ambos preocupados com retornos políticos, e não com as pessoas que foram afetadas, direta ou indiretamente, pela tragédia.

Uma opção inovadora para um acordo ético, valendo-se da Lei 13.800/2019, seria constituir um fundo patrimonial de finalidade específica, para, sob a supervisão de um Conselho Curador, formado por especialistas com competência e integridade publicamente reconhecidas, orientar, acompanhar e fiscalizar o uso dos recursos. Um fundo de R$ 112 bilhões – valor que tem sido comentado como o a ser acordado –, por exemplo, sob a administração de reputada instituição financeira, poderia render, anualmente, algo como 5% em termos reais; ou seja, R$ 5,6 bilhões ao ano para o desenvolvimento da região do Rio Doce, por tempo indeterminado, preservando-se ainda o capital integral do fundo. Que região do Brasil tem um fluxo de 5 bilhões de reais anuais para investimentos assegurados?

Para isso acontecer, bastariam apenas boa-fé, interesse público e solidariedade com os atingidos e às populações futuras da região, nada mais. É o que, lamentavelmente, falta no acordo de Mariana.

QOSHE - O que falta afinal? - Paulo Paiva
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O que falta afinal?

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01.12.2023

Matéria neste jornal, na edição de terça-feira passada, tratou da possibilidade de ser fechado, até dezembro, acordo relativo à tragédia de Mariana, ocorrida em 2015. A demora para chegar a um bom termo não deve ser atribuída a dificuldades técnicas.
As dores das perdas de vidas e do ambiente sociocultural são irreparáveis. Reparações não apagam memórias. Resta, pois, fazer a justiça possível, com solidariedade e respeito aos atingidos.

Sem prejuízo das penas a serem aplicadas aos culpados, a reparação e a compensação pelos danos difusos são complexas, e, para evitar processos judiciais infindáveis, melhor submetê-las a negociação.

No caso do desastre de Brumadinho, que o governo de Minas quer........

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