A violência doméstica é um enorme problema social em Portugal. Várias medidas têm sido aplicadas para erradicar de vez com este fenómeno, nomeadamente os vários Planos Nacionais contra a Violência Doméstica e de Género. No entanto, embora as causas sejam conhecidas da opinião pública, há uma que vai “escapando entre os pingos da chuva”. A prevenção da violência doméstica começa quando se forma a vinculação entre pais e filhos logo nos primeiros anos de vida. Se eventualmente perguntarmos a um pai, mãe, ou cuidador/a, acerca do que esperam relativamente ao futuro dos filhos, muito provavelmente ninguém se lembra de dizer “espero acabar com a violência doméstica, erradicá-la de vez!”. Mas a verdade é que os pais/cuidadores têm esse poder! Isto porque aquilo que os pais fazem vai contribuir para que as relações futuras dos filhos sejam o “espelho” das relações que estes têm com eles. A vinculação nos primeiros anos de vida tem uma função biológica que contribui para a sobrevivência do bebé. Ao contrário de vários mamíferos, o ser humano nasce completamente indefeso. Para sobreviver, o bebé nasce com um conjunto de comportamentos que permitem desenvolver fortes ligações com os seus cuidadores. O sorriso, o choro, são usados para obter cuidados, não apenas de alimento, mas de afeto. Quando os pais são responsivos, tendo por base o grau de disponibilidade e capacidade de dar resposta às necessidades físicas e emocionais, estes estão a promover uma vinculação segura, baseada na confiança e na procura de intimidade. É a partir destes modelos que a criança cria expectativas acerca do que pode esperar de si própria e dos outros, estendendo-se a relações íntimas no futuro. Filhos com vinculação segura tendem a ter relações amorosas mais satisfeitas, maior compromisso e confiança na relação. Esta é a fórmula certa para acabar de vez com a violência doméstica e de género. Todavia, quando os cuidadores respondem às necessidades de forma desadequada, menos responsivos emocionalmente, ambivalentes ou mais controladores, ou em casos extremos pelo abuso e negligência, leva a que as crianças desenvolvam representações internas com base na desconfiança e medo da intimidade. O problema é que estas crianças com um padrão de vinculação insegura vão tendencialmente procurar companheiros com vinculação insegura. A fórmula de risco para a violência doméstica começa aqui. Mas a vida é feita de segundas oportunidades. A evolução providenciou-nos um legado parental não apenas baseado na genética, mas também no livre-arbítrio e na aprendizagem, pelo que há sempre a oportunidade em cada geração de interromper o ciclo da violência, promovendo relações seguras com os filhos.

QOSHE - Aquilo que tu me fazes hoje, irei fazer amanhã! - Ricardo Pinto
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Aquilo que tu me fazes hoje, irei fazer amanhã!

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29.02.2024

A violência doméstica é um enorme problema social em Portugal. Várias medidas têm sido aplicadas para erradicar de vez com este fenómeno, nomeadamente os vários Planos Nacionais contra a Violência Doméstica e de Género. No entanto, embora as causas sejam conhecidas da opinião pública, há uma que vai “escapando entre os pingos da chuva”. A prevenção da violência doméstica começa quando se forma a vinculação entre pais e filhos logo nos primeiros anos de vida. Se eventualmente perguntarmos a um pai, mãe, ou cuidador/a, acerca do que esperam relativamente ao futuro dos filhos, muito provavelmente ninguém se lembra de dizer “espero acabar com a violência doméstica,........

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