Para o bibliófilo amador, só há talvez uma atividade que proporciona um prazer comparável ao da leitura: a arrumação de livros. Dá algum trabalho, pois claro, mas é profundamente satisfatório fazer deslizar os volumes sobre a prateleira e dar-lhes o lugar que merecem, depois de um longo período à deriva por aí ou amontoados como párias a um canto. Dar-lhes o lugar que merecem, repito, e deixá-los em boa companhia – os de Bizâncio com os de Bizâncio, os da Revolução Francesa com os da Revolução Francesa, as biografias de escritores com outras biografias de escritores, a poesia com a poesia… (ainda que às vezes me permita fazer pequenos trocadilhos a que só eu acho piada, como quando arrumei um livro de bolso sobre as grutas de Lascaux entre o famoso romance epistolar de C. de Laclos e um estudo sobre a idade da pedra lascada.)

Em certo sentido, uma estante por preencher é como um brinquedo novo. Ou um cubo mágico: digo isto porque que às vezes, para organizarmos um dos lados, temos de desorganizar o outro, e assim sucessivamente até as peças estarem finalmente todas alinhadas.

Mas esta estante de que vos falo hoje tem uma particularidade: vem equipada com portas de vidro. O que traz evidentes vantagens e, como rapidamente percebi, também algumas condicionantes.

Sobretudo se estivermos a falar de livros grandes. Não é apenas a altura deles, uma vez que a altura das prateleiras se pode ajustar. É sobretudo uma questão de profundidade. Descobri, ao fazer as arrumações na minha estante nova, que alguns dos álbuns de maiores dimensões excediam os 27 cm de profundidade das prateleiras, o que fazia com que se projetassem para fora do móvel, impedindo as portas de fechar.

E foi aí que me ocorreu que talvez fosse essa a origem daquilo a que os anglo-saxónicos chamam coffee table book. Aparentemente, o termo foi usado pela primeira vez em 1961 numa publicação chamada Arts Magazine, para designar um livro profusamente ilustrado, de capa dura e com dimensões gargantuescas, mais destinado a estar em exposição do que propriamente a ser lido. Trata-se, pois, de um livro que não cabe numa estante e acaba por ser uma espécie de ‘bagagem fora de formato’. Onde colocar semelhante monstro? Lá está: numa mesinha baixa ou de apoio, a tal coffee table (originalmente destinada a servir o café), que assim se transforma em pedestal do imponente livro. Isto para dizer que o coffee table book não tem nada a ver com café, mas com as dimensões do volume.

Não devo terminar sem referir que há ainda, como alguém já notou, aqueles livros tão grandes e tão pesados que já nem são coffee table books, mas sim a coffee table propriamente dita… Como em tudo, também no mundo dos livros existe a norma, o exagero e a mais desvairada caricatura.

QOSHE - A origem do coffee table book - José Cabrita Saraiva
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A origem do coffee table book

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28.12.2023

Para o bibliófilo amador, só há talvez uma atividade que proporciona um prazer comparável ao da leitura: a arrumação de livros. Dá algum trabalho, pois claro, mas é profundamente satisfatório fazer deslizar os volumes sobre a prateleira e dar-lhes o lugar que merecem, depois de um longo período à deriva por aí ou amontoados como párias a um canto. Dar-lhes o lugar que merecem, repito, e deixá-los em boa companhia – os de Bizâncio com os de Bizâncio, os da Revolução Francesa com os da Revolução Francesa, as biografias de escritores com outras biografias de escritores, a poesia com a poesia… (ainda que às vezes me permita fazer pequenos trocadilhos a que só eu acho piada, como........

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