É Costa Nova e pronto, poucos são os que lhe acrescentam o do Prado, nome oficial, Costa Nova do Prado, freguesia da Gafanha da Encarnação, mas se quiserem mesmo ir em linha reta da Costa Nova à Gafanha vão de barco, fica em frente, a ria pelo meio, tão assoreada, reduzida, minimizada, a gente do meu tempo ainda se lembra de como os barcos (muitos moliceiros) vinham por aí fora até quase junto às casas às risquinhas, olhem agora para o pequenino cais a servir de vizinho ao quiosque dos jornais, vejam bem a distância que a terra roubou ao mar, sim porque a ria é mar também, é uma mistura das águas que desaguam do Vouga com as marés que forçam a sua viagem para montante.

A discussão é velha e relha e nem sei porque se mantém: onde se come melhor, na Costa Nova ou na Barra, sua vizinha do norte, dois quilómetros adiante, lugar onde se ergue, orgulhoso, também às riscas, o farol, segundo mais alto da Península Ibérica, 62 metros de altura! Pois, mesmo aqueles, que como eu, preferem as areias da Barra (ou pelo menos até à Biarritz, que é onde a Costa e a Nova e a Barra fazem fronteira) e os lugares da Barra, vivos, como o Café Farol ou o Márito, ou mortos, como a Assembleia – lugar de jogar ao bilhar ou ping-pong – ou o Galeão, a discoteca mais íntima onde parava toda a gente conhecida de Águeda a Aveiro, recorrem aos restaurantes da Costa, e se há um «primus inter pares» é o Clube de Vela, amesendação ao lado das aulas de navegação, porque o Clube de Vela, tal como oCarlos da Canção de Lisboa (ainda o Manoel de Oliveira era um jovenzinho) são dois, o clube propriamente dito, que aluga placas de estacionamento para quem tem um barco ali atracado e desenvolve o ensinamento para os miúdos que querem aprender a velejar, e o restaurante, que é um ex-líbris desde há muito, muito tempo, que foi tantos anos dirigido pelo saudoso Luís Fonseca, e é agora a menina dos olhos do meu querido Manuel dos Santos Almeida, um companheiro de outras casas e de outras lutas, mas sempre companheiro e sempre profissional como poucos, ele e a sua equipa, alguns dos membros que a compõem também ligados ao Clube de Vela quase umbilicalmente.

Não vou falar de comida, embora até tivesse, neste preciso momento em que escrevo, apetite não diria digno nem de Gargântua, rei dos Dipsodos, nem de seu filho Pantagruel, mas suficiente para me bater de garfo e faca em punho com um robalinho grelhado ou com um naco bem cortado de pregado. Crónicas são crónicas, agora caídas em desgraça, porque o povo parece que já não gosta dessa forma mais pessoal de jornalismo, e levam por vezes tudo lá dentro como se fossem sopa da pedra (não, escusam de ir ao Clube de Vela para uma sopa de pedra, que não tem, fiquem-se pela sopa de peixe). Esta leva, por exemplo, o Eça de Queiroz que, nas férias de verão, se instalava mesmo em frente – do lado da terra e não da ria, como está bem de ver – no Palheiro de José Estêvão, agora bem recuperado, um típico palheiro da região que pertencia à família do famoso tribuno, José Estêvão Coelho de Magalhães, o professor José Estêvão, nascido em Aveiro no dia 26 de Dezembro de 1809, notável jornalista, político e orador parlamentar português, bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra, sendo durante o período de 1836 a 1862 a figura dominante da oposição de esquerda na Câmara dos Deputados e veterano das guerras liberais, obrigado ao exílio em Inglaterra e na ilha Terceira onde participou no Desembarque do Mindelo.

Convidado por Luís de Magalhães, o filho de José Estêvão, Eça de Queiroz instalou-se por aqui muito antes de haver Clube de Vela. Vinha da cidade e numa carta dirigida a Oliveira Martins, político e sobretudo historiador, gabava a região: «Não pude desbastar a minha montanha de prosa. Levar as prosas para os areais da Costa Nova, não é prático – ó homem prático! Há lá decerto a brisa, a vaga, a duna, o infinito e a sardinha – coisas essenciais para a inspiração – mas falta-me essa outra condição suprema: um quarto isolado com uma mesa de pinho». Queixo-me do mesmo quando me instalo na Barra, em agosto, recordando a infância e a adolescência: levo comigo muita prosa e pouca é a que desbasto. Mas jantar ao Clube de Vela é tradição. Muito arreigada

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“A vaga, a duna,o infinito e a sardinha…”

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08.12.2023

É Costa Nova e pronto, poucos são os que lhe acrescentam o do Prado, nome oficial, Costa Nova do Prado, freguesia da Gafanha da Encarnação, mas se quiserem mesmo ir em linha reta da Costa Nova à Gafanha vão de barco, fica em frente, a ria pelo meio, tão assoreada, reduzida, minimizada, a gente do meu tempo ainda se lembra de como os barcos (muitos moliceiros) vinham por aí fora até quase junto às casas às risquinhas, olhem agora para o pequenino cais a servir de vizinho ao quiosque dos jornais, vejam bem a distância que a terra roubou ao mar, sim porque a ria é mar também, é uma mistura das águas que desaguam do Vouga com as marés que forçam a sua viagem para montante.

A discussão é velha e relha e nem sei porque se mantém: onde se come melhor, na Costa Nova ou na Barra, sua vizinha do norte, dois quilómetros adiante, lugar onde se ergue, orgulhoso, também às riscas, o farol, segundo mais alto da Península Ibérica, 62 metros de altura! Pois, mesmo aqueles, que como eu, preferem as areias da Barra (ou pelo menos até à Biarritz, que é onde a........

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