A probabilidade de um novo surto inflacionista global devido à situação no Mar Vermelho é baixa. Ao contrário do que ocorreu durante e após o período da pandemia, não enfrentamos uma perturbação generalizada que afete o funcionamento dos portos. Não há indícios, até ao momento, de escassez de navios ou de aumentos abruptos na procura por produtos ou matérias-primas, dado que os stocks estão relativamente bem abastecidos.

Portanto, trata-se de uma situação que impacta algumas cadeias de abastecimento, mas as lições aprendidas durante a pandemia sugerem que estas possam ajustar-se de maneira mais ágil a esta nova normalidade.

A rota mais afetada é aquela que liga a China ao Atlântico Norte, na qual houve uma forte subida do preço dos fretes, mais do que triplicando desde dezembro e mais do que quintuplicando desde outubro, após o ataque do Hamas a Israel. Os países mais diretamente atingidos pelos ataques aos navios no Mar Vermelho são o Egito, que recebe as tarifas de passagem no Canal do Suez, e a China, cujas exportações tornam-se mais dispendiosas e mais demoradas. Esse impacto acaba por refletir-se indiretamente nos destinatários finais desses produtos.

A subida dos preços dos fretes, em si mesma, tem um efeito inflacionista. No entanto, não se trata de um fenómeno que afete todo o mundo tendo, por isso, impacto limitado. Por outro lado, ao dificultar e encarecer as exportações chinesas e de outros países asiáticos, a situação contribui para um abrandamento económico nessa região, o que, em última análise, pode ser deflacionista.

Justifica-se também olhar para os preços do petróleo e do gás. Avaliado em euros, o crude está a níveis semelhantes aos de dezembro e cerca de 14% abaixo dos preços que se observavam antes de 7 de outubro. O gás natural está agora 60% abaixo da cotação de há um ano, as renováveis têm mais capacidade instalada e foi um inverno chuvoso. Portanto, não será pelo impacto dos ataques houtis nos preços da energia que a inflação voltará a subir.

Do ponto de vista geopolítico, o contexto poderá favorecer a relação entre Pequim e o Ocidente. Como referido, a China é um dos países mais afetados e agradece a intervenção feita pelos EUA e Reino Unido. Os houtis são apoiados pelo Irão e, este, pela Rússia. Portanto, trata-se de um potencial foco de tensão entre Pequim e Moscovo que o Ocidente poderá capitalizar.

QOSHE - Mar Vermelho e inflação - Filipe Garcia
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Mar Vermelho e inflação

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26.01.2024

A probabilidade de um novo surto inflacionista global devido à situação no Mar Vermelho é baixa. Ao contrário do que ocorreu durante e após o período da pandemia, não enfrentamos uma perturbação generalizada que afete o funcionamento dos portos. Não há indícios, até ao momento, de escassez de navios ou de aumentos abruptos na procura por produtos ou matérias-primas, dado que os stocks estão relativamente bem abastecidos.

Portanto, trata-se de uma situação que impacta algumas cadeias de abastecimento, mas as lições aprendidas durante a pandemia sugerem que estas possam ajustar-se de........

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