No último trimestre do ano passado, os principais bancos centrais inverteram o discurso em torno da política monetária, clarificando que o ciclo de subidas das taxas de juro tinha terminado. A inflação apresentava um comportamento mais favorável, conducente ao cumprimento dos objetivos de médio prazo.

Os mercados financeiros sentem-se sempre desconfortáveis em contexto de repressão monetária, pelo que reagiram de forma efusiva, particularmente no segmento de dívida. De facto, em poucas semanas as obrigações recuperaram todas as perdas do ano, fechando 2023 com ganhos que pareciam inverosímeis pouco tempo antes.

Como tive a oportunidade de salientar neste espaço, foram criadas expectativas irrealistas quanto ao início, ritmo e dimensão dos cortes de taxas de juro a implementar este ano. Os mercados até poderão ter sido induzidos em erro pelas deficiências de comunicação dos líderes dos bancos centrais, mas o fato é que exageraram no otimismo. Havia bons motivos, e continua a haver, para se concluir da necessidade de a política monetária se tornar menos restritiva, em especial na Europa.

Porém, seria muito otimista acreditar que bancos centrais que têm (re)agido de forma sempre atrasada passassem a ser proativos e abandonassem rapidamente o pânico em relação à inflação que caracterizou a sua atuação durante o último ano.

Portanto, os responsáveis dos bancos centrais sentiram-se obrigados a reiterar a mensagem de que preferem ser cautelosos e manterem os juros aos níveis atuais por mais tempo. Ou seja, preferem errar cortando as taxas de juro mais tardiamente do que se as baixarem de forma prematura. Tendo em conta as mensagens do BCE e os dados da inflação relativos a dezembro e janeiro um pouco mais altos do que o previsto, ainda que explicados em grande medida pelos efeitos de base, os mercados tiveram de reajustar as suas expectativas quanto ao desenrolar da política monetária.

Em relação ao BCE, em dezembro passado o mercado monetário chegou a descontar cortes de 150 pontos base em 2024, a começarem já em março. Agora, antevê 100 pontos base de cortes, com a primeira redução nas taxas a acontecer provavelmente em junho. Nas obrigações, e tomando como referência os bunds alemães a 10 anos, as taxas passaram de 3% em outubro para 1.90% em dezembro, cotando agora a 2.40%. Nesta altura, as expectativas do mercado parecem estar bastante mais ajustadas à realidade.

QOSHE - ‘Reality check’ - Filipe Garcia
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‘Reality check’

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23.02.2024

No último trimestre do ano passado, os principais bancos centrais inverteram o discurso em torno da política monetária, clarificando que o ciclo de subidas das taxas de juro tinha terminado. A inflação apresentava um comportamento mais favorável, conducente ao cumprimento dos objetivos de médio prazo.

Os mercados financeiros sentem-se sempre desconfortáveis em contexto de repressão monetária, pelo que reagiram de forma efusiva, particularmente no segmento de dívida. De facto, em poucas semanas as obrigações recuperaram todas as perdas do ano, fechando 2023 com ganhos que pareciam inverosímeis........

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