Quando falamos em desenvolvimento vocacional, em desenvolvimento de carreira ou em orientação e aconselhamento, entre outras designações que são usadas neste âmbito, pensamos frequentemente em certos momentos em que os jovens têm de tomar decisões sobre o seu futuro, por exemplo, no final do 9º ou do 12º anos. De facto, estes momentos são foco de maior atenção, na medida em que se tratam de compromissos formais com a carreira e em que é necessário fazer uma escolha. É também nessas ocasiões que jovens e famílias procuram serviços de psicologia, frequentemente com a expetativa de que sejam realizadas determinadas provas (neste caso, instrumentos de avaliação psicológica, mas muitas vezes conhecidos por “testes psicotécnicos”), as quais supostamente devem indicar que escolha será mais compatível com o perfil de cada um.

Se é natural que exista maior atenção para determinados serviços quando a perceção da sua utilidade é maior e as decisões são emergentes, também é importante “calibrarmos” as nossas expetativas e conhecermos a natureza da intervenção, quer em relação ao momento em que deve ocorrer, quer sobre aquilo em que consiste.

Ainda que a utilização de instrumentos, por exemplo de avaliação dos interesses ou das aptidões, seja pertinente e um contributo útil para o processo de orientação e aconselhamento, é sempre importante recordar que quaisquer resultados requerem uma interpretação e enquadramento, próprios dos processos de avaliação psicológica. Ou seja, os resultados nessas provas devem ser utilizados para aquilo que eles servem - uma fonte de informação, um contributo para o processo de orientação, uma base de trabalho e de promoção do autoconhecimento, do debate e da reflexão - e não numa lógica de encaixe ou de correspondência, em que um resultado mais elevado numa escala significa necessariamente a escolha de determinado curso. Digamos que um processo de orientação não é como fazer uma espécie de teste de sangue ou saliva, em que sai um talão no final com um resultado e uma recomendação. Os resultados precisam de ser interpretados e não entregues e percebidos numa lógica determinística.

Por outro lado, não podemos esquecer que aquele momento corresponde a uma fotografia, mas resulta de um filme anterior, que é bem mais extenso. Apesar da sua notoriedade, os momentos de tomada de decisão estão integrados numa trajetória que começa muito antes na vida e se caracteriza por diversas experiências e interações com os outros e o mundo, as quais permitem a cada um desenvolver interesses e construir a sua identidade. Um percurso de autoconhecimento, de aprendizagem e desempenho, e de desenvolvimento de competências.

Para que a orientação e o aconselhamento não seja entendido somente como um momento pontual ou até uma formalidade, é por isso importante que as intervenções considerem o que realmente precisa de ser considerado. A orientação e o aconselhamento de carreira é um processo de autoconhecimento e autodeterminação, e não uma circunstância de correspondência entre resultados de provas e cursos. Trata-se de uma oportunidade privilegiada para cada um saber quem realmente é e poderá ser, no quadro das circunstâncias que enfrenta.

QOSHE - Fazer um teste para escolher um curso - Renato Gomes Carvalho
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Fazer um teste para escolher um curso

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01.02.2024

Quando falamos em desenvolvimento vocacional, em desenvolvimento de carreira ou em orientação e aconselhamento, entre outras designações que são usadas neste âmbito, pensamos frequentemente em certos momentos em que os jovens têm de tomar decisões sobre o seu futuro, por exemplo, no final do 9º ou do 12º anos. De facto, estes momentos são foco de maior atenção, na medida em que se tratam de compromissos formais com a carreira e em que é necessário fazer uma escolha. É também nessas ocasiões que jovens e famílias procuram serviços de psicologia, frequentemente com a expetativa de que sejam realizadas determinadas provas (neste caso, instrumentos de avaliação psicológica, mas muitas vezes conhecidos por “testes psicotécnicos”), as quais supostamente devem indicar que escolha será mais........

© JM Madeira


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