Hoje, volto a um tema que não tem sido trazido para os debates desta pré-campanha eleitoral: a pobreza. Ontem, em entrevista à Rádio Renascença, Carlos Figueira, da equipa coordenadora da Economia de Francisco, da Nova School of Business and Economics, fazia referência a este facto. Fiquei um pouco mais tranquila, por assim dizer. Não tinha sido só uma impressão minha, esta ausência fatal. Por muito que nos custe a aceitar, a pobreza é inevitável. Não falar sobre ela, não a erradica. Em duas dezenas de debates, «ouviu-se duas vezes a palavra pobreza», contou-as o investigador. Já partilhei convosco, neste espaço, a minha preocupação sobre este problema estrutural. Parece-me, uma utopia, uma meta cada vez mais difícil de alcançar até 2030: erradicar a pobreza extrema. Reduzir, pelo menos para metade, a proporção de homens, mulheres e crianças, que vivem na pobreza, através da implementação de medidas e programas de proteção social adequados, para todos, por forma a atingirmos uma cobertura substancial dos mais pobres e vulneráveis. A pobreza é uma fatalidade? Para esta questão, continuo a responder do mesmo modo. A pobreza é o resultado das nossas ações. Da sociedade no seu todo. Do privado. Das políticas públicas. É tempo de se reconhecer que a pobreza não se combate só com dinheiro, nem tão pouco com a multiplicidade e sobreposição dos apoios sociais. Não pode ser esse o caminho. É uma receita do século passado. O seu combate deve ser desígnio nacional. Não pode ser um problema dos outros. Do Estado, das Empresas, das Instituições de Solidariedade, entre outras.

A pobreza, e as suas causas estruturais, tem de ser encarada de frente, de forma humanista e a partir de uma economia que faça a diferença, que se paute por ser mais inclusiva e sustentável, que volte a colocar a pessoa no centro. A pobreza constitui uma condição lesiva sob vários aspetos, e todos nós devemos estar atentos e dar os nossos contributos, nomeadamente ao estarmos despertos para as mais variadas questões, que esta potencia, como por exemplo: o difícil acesso a uma habitação digna, a uma alimentação adequada, a cuidados de saúde atempados, a uma educação de qualidade, assim como ao acesso e inserção no mercado de trabalho, que valorize e empodere, que promova o desenvolvimento pessoal. Ainda acredito que a educação, é a melhor resposta. É, para mim, uma das formas mais dignas de se erradicar a pobreza.

A economia de Francisco, da Nova School of Business and Economics, tem por base a doutrina social da Igreja. O seu pensamento vai beber muito daquilo que têm sido as encíclicas e todos os documentos produzidos pela Igreja Católica, não só pelo Papa Francisco, mas pela instituição, ao longo da sua História. Também acredito, tal como o investigador, Carlos Figueira, que a Economia de Francisco pode ser um modelo, ou melhor, um processo que «tem muito a acrescentar, porque vem trazer também ou promover esta visão integral da realidade (...)», para além da sua «preocupação enorme, a nível da promoção do desenvolvimento humano integral».

Antes de terminar, volto a relembrar da revolução da epigenética, uma nova neurociência da pobreza. Escrevi sobre este fenómeno há já algum tempo. Através desta, ficamos a saber que a pobreza é uma realidade que nos diz, entre tantas outras certezas, que qualquer ser humano que nasça, cresça e seja criado no stress crónico da pobreza, é diferente, química e neurologicamente, de uma pessoa que não tenha crescido num ambiente pobre. A pobreza é uma sucessão de traumas. Está integrada no ADN. Tudo isto começa na infância. Na vida intrauterina. Se queremos combater a pobreza, temos que colocar na prateleira as ideologias dos séculos XIX e XX e dar uso a esta nova ciência.

Hoje, já não consigo escrever sobre a futura Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (ENIPSSA - 2025 e 2030), que se encontra em consulta pública, nem sobre a importância de esta ser orientada por um novo governo. Por várias razões, entre elas, a forma leviana de como se interpretaram os resultados da avaliação da ENIPSSA que se encontra em vigor. A solução para as PSSA não é a habitação. Não se começa a construir uma casa pelo telhado. As PSSA merecem mais. E precisam de muito mais. Salvou-se o eixo fundamental: A prevenção. Falemos de coisas sérias.

QOSHE - Duas vezes, apenas - Carla Baptista De Freitas
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Duas vezes, apenas

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21.02.2024

Hoje, volto a um tema que não tem sido trazido para os debates desta pré-campanha eleitoral: a pobreza. Ontem, em entrevista à Rádio Renascença, Carlos Figueira, da equipa coordenadora da Economia de Francisco, da Nova School of Business and Economics, fazia referência a este facto. Fiquei um pouco mais tranquila, por assim dizer. Não tinha sido só uma impressão minha, esta ausência fatal. Por muito que nos custe a aceitar, a pobreza é inevitável. Não falar sobre ela, não a erradica. Em duas dezenas de debates, «ouviu-se duas vezes a palavra pobreza», contou-as o investigador. Já partilhei convosco, neste espaço, a minha preocupação sobre este problema estrutural. Parece-me, uma utopia, uma meta cada vez mais difícil de alcançar até 2030: erradicar a pobreza extrema. Reduzir, pelo menos para metade, a proporção de homens, mulheres e crianças, que vivem na pobreza, através da implementação de medidas e programas de proteção social adequados, para todos, por forma a atingirmos uma cobertura substancial dos mais pobres e vulneráveis. A pobreza é uma fatalidade? Para esta........

© JM Madeira


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