“O grande isolamento é cercar-se daqueles que pensam igual a si.” (Arendt, H.)

Rousseau, no Contrato Social, defende que “se não houvesse quaisquer interesses diferentes [individualidade], mal se sentiria o interesse comum, que jamais encontraria obstáculo: tudo iria por si mesmo, e a política deixaria de ser uma arte”. De facto, quem fala de política, tem de falar de interesse comum. Nesta ‘arte de fazer política’ só o acordo dos interesses torna possível viver em sociedade. Este ano, tão intensamente marcado por atos eleitorais, deve fazer-nos refletir sobre as nossas vontades individuais e coletivas, na salvaguarda do interesse comum, do bem-estar e segurança de todos, respeitando os direitos, liberdades e garantias de todos, sem exceção.

Com um nível de abstenção que se prevê próximo a uma maioria absoluta, e a meses de uma série de atos eleitorais, a classe política tem de compreender que este é um cartão vermelho para o populismo e para a demagogia que grassa no debate político. Na era da (des)informação, dos direitos humanos, da liberdade e da democracia, enfrentamos tempos de feroz intolerância, muitas vezes alimentadas por representantes políticos que preferem “dar que falar”, esquecendo por completo o interesse comum. Quase parece que ou nos escondemos por detrás da esperança de que melhores dias virão ou temos de estar do lado do voto de protesto que apenas alimenta radicalismos que prejudicam a democracia. Demasiadas vezes faz-se do essencial acessório e das guerras de egos pelo espaço mediático a essência do poder (pelo poder), enfraquecendo a democracia.

Não há verdades absolutas, não há como governar sem errar, não há como fazer política sem dar um passo atrás sempre que necessário, mas a forma como se diz e se pratica o que se defende – além do reconhecer do erro – será, certamente, fator decisivo para o (in)sucesso da estratégia.

Precisamos de pessoas capazes de romper com vícios antigos e não de pessoas que criticam sem fundamentar a sua posição em factos ou evidências. Criticar/acusar de forma gratuita serve apenas para aumentar a revolta contra a classe política. Criticar/denunciar o ilícito quando é praticado por alguém com outra cor partidária e fechar os olhos ao ilícito quando praticado por alguém da ‘nossa’ cor partidária é a sépsis que urge combater. É esta tendência inusitada na forma como se faz política em Portugal, em particular nos últimos anos, que revela alguma fragilidade democrática que pode, facilmente, conduzir ao crescimento de partidos radicais, resultando em maior instabilidade política no país. Este voto de protesto de eleitor pode muito bem ser o princípio do fim do respeito pelos ideais de Abril que tanto temos vindo a defender desde que existe democracia em Portugal.

Não há Messias, nem há insubstituíveis. Há ideais, princípios e valores (ou falta deles). Há caráter (ou ausência deste). E é nesta convicção que se evitam os atropelos à democracia, independentemente de quem o pratica – com mais ética e honestidade política, não com demagogia popular.

Espero que todos sejamos [mais] exigentes com quem queremos que nos represente no Parlamento e, em última instância, quem nos governa. Que assumamos as nossas responsabilidades, enquanto cidadãos e mais ainda enquanto políticos.

QOSHE - O peso das eleições - Carina Ferro
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O peso das eleições

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13.01.2024

“O grande isolamento é cercar-se daqueles que pensam igual a si.” (Arendt, H.)

Rousseau, no Contrato Social, defende que “se não houvesse quaisquer interesses diferentes [individualidade], mal se sentiria o interesse comum, que jamais encontraria obstáculo: tudo iria por si mesmo, e a política deixaria de ser uma arte”. De facto, quem fala de política, tem de falar de interesse comum. Nesta ‘arte de fazer política’ só o acordo dos interesses torna possível viver em sociedade. Este ano, tão intensamente marcado por atos eleitorais, deve fazer-nos refletir sobre as nossas vontades individuais e coletivas, na salvaguarda do interesse comum, do bem-estar e segurança de todos, respeitando os direitos, liberdades e garantias de todos, sem exceção.

Com um nível de abstenção que se prevê próximo a uma maioria........

© JM Madeira


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