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Por que Franz Kafka ajuda a entender o que estamos passando

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21.12.2025

Franz Kafka nasceu no dia 3 de julho de 1883, em Praga, a um só tempo uma das mais belas e mais soturnas cidades do mundo. Na época, Praga fazia parte do Império Austro-Húngaro.

Entre as grandes influências literárias de Kafka, podemos destacar Pascal, Kierkegaard, Flaubert, Goethe, Tolstói, Dostoiévski, o teatro ídiche e o Antigo Testamento. Em seus impressionantes Diários, ele chegou a escrever: “Nada me interessa a não ser a literatura”.

Kafka começou a escrever O Processo em 1914, depois de romper, pela primeira vez, o seu noivado com Felice Bauer. Nós não vamos entender O Processo se não levarmos em conta as condições históricas em que esse livro foi escrito. O que aconteceu exatamente no ano de 1914? O início da Primeira Grande Guerra.

Não há como entender o nosso tempo sem entender a Primeira Guerra Mundial, porque foi ali que quatro grandes impérios — o Império Austro-Húngaro, o Império Alemão, o Império Otomano e o Império Russo — desmoronaram. Foi a primeira guerra tecnológica da história, em que os avanços da ciência foram usados para a destruição em massa. É nesse mundo que Kafka inicia a escritura de O Processo.

Um escritor austríaco, também do Império Austro-Húngaro, Hugo von Hofmannsthal, dizia que nada existe na realidade sem estar primeiro na literatura. Os grandes escritores captam a alma do seu tempo e conseguem antecipar o futuro por meio da literatura. A obra de Kafka é primorosa nesse sentido. Todas as suas obras têm passagens proféticas.

VEJA TAMBÉM:

A frase de abertura de O Processo é uma das mais famosas da literatura universal:
“Alguém certamente havia caluniado Josef K., pois uma manhã ele foi detido sem ter feito mal algum.”

Essa sentença acabou por se revelar profética no que se refere às tragédias políticas do nosso tempo. O que não era uma certeza no caso de Josef K. tornou-se uma realidade factual nas sociedades totalitárias contemporâneas. Vejamos alguns exemplos.

Alguém certamente havia caluniado Aleksandr Soljenítsin, pois uma manhã ele foi detido sem ter feito mal algum.

De fato, Soljenítsin foi detido por escrever uma carta a um amigo na qual fazia críticas às decisões de Josef Stálin. Por esse crime — enquadrado no Artigo 58 do Código Penal soviético —, ele foi condenado a oito anos de trabalhos forçados no Gulag.

Alguém certamente havia caluniado Milada Horákova, pois uma manhã ela foi detida sem ter feito mal algum.

Milada Horákova foi uma ativista política da Tchecoslováquia condenada pelo regime comunista à morte por enforcamento, em 1950. Seu crime? Negou-se a colaborar com o novo regime do país.

Alguém certamente havia caluniado

© Gazeta do Povo