Pedro Nuno Santos, confirmando a profecia, lá ganhou as eleições internas do PS. Nada que surpreenda: a máquina do PS é fortíssima na conquista do poder e fraquíssima na seriedade. E a máquina do PS estava, claro, do lado do vencedor anunciado. Parece que, naquelas horas em que decorria a votação, a newsletter do partido usava já o nome de Pedro Nuno Santos como remetente, e, em eleições a decorrer em dois dias, os resultados parciais do primeiro dia foram divulgados, não deixando margem para dúvidas sobre o resultado final, não fosse haver hesitações. Explicações para estas minudências? Um bug informático e uma acidental fuga de informação. É claro que o beneficiário foi Pedro Nuno Santos: afinal, atropelos às regras e à decência em favor da conquista e da preservação do poder é só mais um dia no escritório lá para o Largo do Rato.

Façamos aqui uma analepse, porque a história deste PS vem de longe. E não, não vale a pena ir a Macau, à Emaudio e aos contos proibidos do Rui Mateus. A essas raízes, o cavaquismo baralhou temporariamente as contas e o insípido Guterres atrasou brevemente o passo. Mas, em Dezembro de 2004, o socialista Sampaio, em Belém, levou a cabo um golpe de estado de iniciativa presidencial. As alegações? "(...) o País assistiu a uma série de episódios que ensombrou decisivamente a credibilidade do Governo e a sua capacidade para enfrentar a crise que o País vive. (...) Dispenso-me de os mencionar um a um, pois são do conhecimento do País. (...) Foi essa sucessão que criou uma grave crise de credibilidade do Governo". Com estas declarações e com as eleições que convocou, depôs uma maioria parlamentar, coesa no apoio ao governo, e escancarou as portas a José Sócrates e ao que se seguiu, a partir de 2005.

Mas não era esta a analepse. Em 2006, alguém no Largo do Rato, ouve na telefonia a Floribella (Luciana Abreu) cantar “Pobres dos Ricos”: “não tenho nada e tenho, tenho tudo; sou rica em sonhos e pobre, pobre em ouro”. Inspirados no ritmo e no paradoxo, invertem os termos da última frase e desenvolvem uma estratégia de controlo de todos os poderes e abandono de todos os sonhos dos portugueses. O que importa para a história é que nada neste PS mudou desde então.

Em matéria de sonhos, e só para falar nos últimos 8 anos, o país foi ultrapassado por quase todos os seus concorrentes europeus em PIB per capita; o número de pobres ou de portugueses no limiar da pobreza, descontados os apoios sociais, aumentou; o SNS colapsou; a escola pública foi abandonada à ideologia e perdeu qualidade no ensino, prejudicou as aprendizagens, perdeu estabilidade no funcionamento e funcionalidade no elevador social; a segurança e a administração interna, designadamente com a extinção do SEF, as suspeitas que o Ministério Público lançou sobre Polícia Judiciária e o desinvestimento na Polícia de Segurança Pública, ficaram comprometidas; a eficácia da Justiça e o combate à corrupção foram coisas deixadas na gaveta; e as infraestruturas de transportes ficaram nos antípodas das proclamações ambientais.

Em matéria de ouro, o PS reforçou o poder no controlo dos poderes, na erosão da sua separação, e demais episódios que, para usar as palavras de Jorge Sampaio de há 19 anos, “dispenso-me de os mencionar um a um, pois são do conhecimento do País”, mas que se contam entre a crise das incompatibilidades, os casos de corrupção, as suspeitas de tráfico de influências e o nepotismo.

Mas é a incompetência socialista que mais fere os portugueses. Ou não. Num país despreocupado e alienado, onde o mantra “rouba mas faz” continua a não prejudicar resultados eleitorais aos prevaricadores, o que surpreende é que o “não faz” não seja penalizado.

Pedro Nuno Santos é desassombrado, audaz e convincente, e é, ao mesmo tempo, radical, irresponsável e incompetente. O homem que torrou milhares de milhões de euros na TAP; que geriu dossiers de centenas de milhares de euros por whatsapp; que nada fez; que “decidiu” nas costas do Primeiro-Ministro e levou, deste, um puxão de orelhas público, na mais vexatória exibição da sua irresponsabilidade; e que deixou de servir para Ministro; é agora candidato a Primeiro-Ministro. Eis o PS.

A prova de que nada mudou, foram as declarações dos senadores socialistas, Sábado, ainda os resultados finais não eram conhecidos: Augusto Santos Silva, apoiante de José Luís Carneiro, disse que “o PS não vai mudar de rumo, vai mudar de liderança”, e Carlos César, apoiante de Pedro Nuno Santos, afirmou que “no PS somos todos pelo mesmo projecto”. Vejo-me obrigado a concordar.

Com a música da Floribella , cantam-se no Rato, nas Direcções-Gerais, nas Empresas Públicas, nos reguladores, e um pouco por todo o lado onde exista poder público, os seguintes versos: “não tenho nada (para o país) e tenho, tenho tudo; sou rico em ouro e pobre, pobre em sonhos.” O país, esse, dança. Ou não. Veremos. De qualquer forma, prefiro a Floribella.

Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia

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O PS é a Floribella da política portuguesa; em mau

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18.12.2023

Pedro Nuno Santos, confirmando a profecia, lá ganhou as eleições internas do PS. Nada que surpreenda: a máquina do PS é fortíssima na conquista do poder e fraquíssima na seriedade. E a máquina do PS estava, claro, do lado do vencedor anunciado. Parece que, naquelas horas em que decorria a votação, a newsletter do partido usava já o nome de Pedro Nuno Santos como remetente, e, em eleições a decorrer em dois dias, os resultados parciais do primeiro dia foram divulgados, não deixando margem para dúvidas sobre o resultado final, não fosse haver hesitações. Explicações para estas minudências? Um bug informático e uma acidental fuga de informação. É claro que o beneficiário foi Pedro Nuno Santos: afinal, atropelos às regras e à decência em favor da conquista e da preservação do poder é só mais um dia no escritório lá para o Largo do Rato.

Façamos aqui uma analepse, porque a história deste PS vem de longe. E não, não vale a pena ir a Macau, à Emaudio e aos contos proibidos do Rui Mateus. A essas raízes, o cavaquismo baralhou temporariamente as contas e o insípido Guterres atrasou brevemente o passo. Mas, em Dezembro de 2004, o socialista Sampaio, em Belém, levou a cabo um golpe de estado de iniciativa presidencial. As alegações?........

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