Como é que é, tudo bem? Olha, cinco décadas sem ditadura; 0% de probabilidade de chuva que desincentiva uma tarde de Netflix; governo da direita; 20 graus de máxima que inviabilizam uma ida à praia; 50 deputados de um partido iliberal na assembleia; o clube mais popular do país não tem hipóteses de ir ao Marquês. Estão reunidas as condições perfeitas para irmos descer a Avenida da Liberdade na quarta, que achas?

É que, amigo, foi para ir à marcha do 25 de abril que se fez o 25 de abril. Tem de ser, pá. Celebrar o Maia. O Maia - sim, "o Maia", o meu serviço à pátria foi ver o Capitães de Abril dez vezes, pelo que sinto que eu e o Fernando andámos juntos na tropa. O Maia saiu da Escola Prática de Cavalaria de Santarém aos 29 anos. Nós, nem de casa dos pais. Mas enfim, não devemos desperdiçar a hipótese de percorrer a Avenida da Liberdade, até porque nos é dada a breve oportunidade de ocupar um metro quadrado caríssimo.

Não te preocupes, tenho tudo planeado. Às duas e meia da tarde, saímos à rua de cravo na mão. Dando claramente conta de que saímos à rua de cravo na mão a horas certas, né filho? Percebes a referência, não percebes? Chegamos lá, de metro, claro, aquilo é zona castanha de EMEL e, pá, simplesmente sair de um Uber fica mal. Pomos os óculos escuros e iniciamos o percurso de 1500 metros a beber uma garrafa de cerveja média, sem grande entusiasmo porque não apetece assim tanto beber álcool e a Sagres está longe de estar gelada.

Andamos lá pelo meio, com cuidado para não nos juntarmos à marcha de um partido que desiludiu muita gente na última semana. "Fascismo nunca mais", já sabes a letra. Olhar em volta, ver e ser visto, celebridades do Twitter - olha, aquele clássico. Tentamos tirar uma foto em que surja no enquadramento o único veículo a circular no centro de Lisboa que não tem um dístico a dizer TVDE - chaimites. Depois, é publicar em story com o emoji da rosa, já que os reaccionários de Silicon Valley se recusam a inventar o do cravo.

Ah, vamos olhar com desdém performativo pela esplanada do JNcQUOI, à hora em que termina um almoço de futuros arguidos de um processo do Ministério Público condenado ao arquivamento. Arriscamos um esgar antagónico ao desmedido aparato policial que está pronto para levar a cabo uma intervenção musculada, na eventualidade de ocorrer uma acesa troca de palavras entre dois jovens de tote bag que discutem se Zeca Afonso era comunista ou esquerdista. Chegamos ao Rossio, logo se vê se esperamos pelo Grândola, a verdade é que já o teremos cantado várias vezes no arraial da véspera, aquele que não mereceu um altar palco do Moedas. Tudo o que é demais, enjoa. Parece-te bem?

Tens padel? Ah. Não, não, é na boa.

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Anda lá curar a ressaca na Avenida da Liberdade

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23.04.2024

Como é que é, tudo bem? Olha, cinco décadas sem ditadura; 0% de probabilidade de chuva que desincentiva uma tarde de Netflix; governo da direita; 20 graus de máxima que inviabilizam uma ida à praia; 50 deputados de um partido iliberal na assembleia; o clube mais popular do país não tem hipóteses de ir ao Marquês. Estão reunidas as condições perfeitas para irmos descer a Avenida da Liberdade na quarta, que achas?

É que, amigo, foi para ir à marcha do 25 de abril que se fez o 25 de abril. Tem de ser, pá. Celebrar o Maia. O Maia - sim, "o Maia", o meu serviço à pátria foi ver o Capitães de Abril dez vezes, pelo que sinto que eu e o Fernando andámos juntos na tropa. O........

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