Na semana passada, referi-me neste espaço à importância do papel do presidente da República no pós legislativas, concretamente na procura de uma solução governativa de estabilidade. Esse é o espírito da nossa Constituição que, para tal, impede que o Presidente da República possa dissolver a AR nos seis meses seguintes às legislativas. Ou seja, a ideia é procurar consensos dentro do quadro parlamentar que resulta das eleições, e não de realizar eleições até que surja um resultado do agrado do PR, ou da opinião pública.

Imagine, caro leitor, que o quadro parlamentar que resultar das eleições do próximo mês de março é de tal forma complexo que torna impossível a passagem de um programa de governo ou, então, que apenas consegue viabilizar um governo precário, destinado a preencher um vazio. Em setembro, o PR teria novamente a capacidade de dissolução, com possibilidade de marcação de novas eleições para o final do ano. O ano de 2024 seria assim preenchido por governos precários - tal como foram os anos de 1978 e 1979, com os dois governos de iniciativa presidencial (Nobre da Costa e Mota Pinto), e o governo de gestão de Maria de Lurdes Pintassilgo. Este seria um cenário insustentável.

Este quadro de fragmentação partidária e incerteza eleitoral exige grande responsabilidade do Presidente da República e dos partidos. Por um lado, não trocar princípios pelo facilitismo ou a tentação do poder; por outro, ter flexibilidade para aceitar as soluções possíveis dentro do quadro parlamentar que resultar das eleições de março, que pode estar longe do desejável. Sobretudo, todos têm de falar com clareza sobre cenários pós eleitorais. Partindo do principio que nem PS, nem AD, chegariam à maioria parlamentar, é expectável que, caso tenha oportunidade para isso, o PS procure reeditar a geringonça, com ou sem PCP. Neste caso, o PS não ficaria desconfortável com a hipótese de formar governo tendo sido a segunda força mais votada, isto dado o precedente de 2015.

Á direita, a flexibilidade de soluções está mais condicionada. O drama do PSD é que, exceto no caso de uma improvável maioria absoluta da AD, não conseguirá liderar um governo sem partir de uma incoerência: ou Luís Montenegro quebra a sua tantas vezes repetida promessa de não se entender com o Chega, o que não quero acreditar que aconteça, ou o PSD propõe um nome para primeiro ministro que não foi a votos, o que põe em cheque as suas críticas à primeira geringonça e, também, a doutrina recente do Presidente da República.

Por outro lado, o Presidente da República alertou sempre para o perigo do crescimento do populismo (justiça lhe seja feita, desde o principio do seu mandato), mas nunca se referiu a linhas vermelhas, ou afirmou que se oporia a um governo apoiado pelo Chega. Ou seja, o que seria incoerente para Luís Montenegro, não o seria para o presidente da República, e vice versa. Também por isto, Marcelo Rebelo de Sousa não vai abrir o jogo até às eleições. É certo que os cenários pos eleitorais prováveis estão longe do ideal, mas também é certo que este ano não pode ser atravessado por governos precários. Eis o drama em que o Presidente da República deve estar já a pensar.

QOSHE - 2024 não pode ser um ano de governos precários - Lourenço Pereira Coutinho
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2024 não pode ser um ano de governos precários

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01.02.2024

Na semana passada, referi-me neste espaço à importância do papel do presidente da República no pós legislativas, concretamente na procura de uma solução governativa de estabilidade. Esse é o espírito da nossa Constituição que, para tal, impede que o Presidente da República possa dissolver a AR nos seis meses seguintes às legislativas. Ou seja, a ideia é procurar consensos dentro do quadro parlamentar que resulta das eleições, e não de realizar eleições até que surja um resultado do agrado do PR, ou da opinião pública.

Imagine, caro leitor, que o quadro parlamentar que resultar das eleições do próximo mês de março é de tal forma complexo que torna impossível a passagem de um programa de governo ou, então, que apenas consegue viabilizar um governo precário, destinado a preencher........

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