1 – Estou certo de que ninguém achará estranho que dois cidadãos adultos, sendo um socialista de esquerda e outro conservador de direita, sejam amigos. E mais ainda se, como é o caso, essa relação de amizade tiver nascido na lide e no debate da luta política ao longo de vários anos. Falo de Nuno Melo que, tal como eu, desceu do distrito de Braga ao Parlamento, e se vai mantendo na actividade política com a fogosidade que se lhe reconhece. Digo isto porque determinação e coragem para o combate foi coisa que nunca me apercebi que lhe faltasse.
Talvez por isso tenha decidido deixar as alcatifas de Bruxelas para voltar à sua terra e meter mãos à obra na missão de ressuscitar o seu CDS (e já agora também PP) do coma profundo em que se encontrava. E teve êxito nesse objectivo. O seu partido regressou ao Parlamento e até ao Governo. Claro que teve de pedir uma “boleia” ao PSD! Sim, é verdade, sem isso talvez ainda hoje estivesse na estrada. Sabia que o PSD aceitaria, pois estava com tanto medo de fazer a viagem sozinho que até contratou um guarda-costas. Adiante.

Contas eleitorais apuradas, e como a sorte acompanha os audazes, ainda se dá ao luxo de fazer notar que foi o seu “poucochinho” que permitiu à AD reivindicar o primeiro lugar eleitoral. Merece o líder do CDS o reconhecimento devido por ter conseguido trazer o seu partido à intervenção política, honrando a sua história e participação na construção da nossa democracia? Sem dúvida. E já o fiz pessoalmente.

2 – Aqui chegados, meu caro Ministro da Defesa Nacional, vamos à actualidade. As coisas estão animadas, e não pode dizer-se que tudo vai correndo bem nessa nobre função. Aliás, comecei por achar estranha e desajustada a opção pela tutela da Defesa, por desconhecer – lapso meu, certamente - qualquer ligação, preferência ou conhecimento sobre essa área. Dei por mim a conjugar duas prováveis razões: a primeira, a de que era necessário encontrar Ministério nobre para o líder do parceiro de coligação; e a segunda porque, sendo do CDS, sempre herdaria de Paulo Portas a arte de lidar e gerir a defesa do país.

Acontece que, o Ministro não leu ainda algumas das úteis instruções que devem estar entre as 61.893 fotocopias de documentos que, talvez para sua defesa, o ministro Portas levou da Defesa nacional quando saiu do Governo em 2015. Nem sei se algum dia conseguirá lê-las. Entretanto vai ter de se adaptar a essa nova realidade e abordá-la com a sobriedade que se lhe impõe. E não vai ser fácil compatibilizar o seu estilo e prática, no discurso e na postura, com a reconhecida solenidade, disciplina e prudência que habitualmente cultiva quem tutela as forças armadas... Para o bem e para o mal, Nuno Melo levou para Lisboa o jeito de “homem do Norte”, generosamente combativo e portador de um “atrevimento” que o faz sentir apto para ganhar todos os desafios, ainda que correndo também todos os riscos.

3 – Houve um momento na campanha em que trocou Montenegro por Pedro Nuno e apelou ao voto neste. Quando deu conta da gafe, disse “Deus me livre… Cruzes, canhoto… E isto estava a correr tão bem…” Pois estava.

E agora volta a não correr bem. E logo com dois temas que deviam estar “na ponta da unha” de um ministro da Defesa. Qualquer soldado do mais pacífico dos exércitos sabe que a força da NATO resulta do seu artigo 5º, que de forma simples diz que quem atacar um país da NATO está a atacar todos. É o famoso “um por todos, todos por um!” Será preciso ler um papel para dizer isto? E, cruzes, canhoto, com a atrapalhação transformar o Atlântico Norte em Atlético Norte? É trazer a sede da NATO de Bruxelas para Alcântara. E qualquer soldado, cabo, capitão ou general, não compreende que se possa imaginar (mesmo em mera tese académica) que as forças armadas sejam meio de reabilitação ou reeducação de “jovens delinquentes”.

Não se pode levar a mal. Lá está o seu estilo pessoal, o impulso afirmativo, o risco como inevitável, mas assumido. Nada que não se possa acomodar com o tempo e sobretudo com umas leituras atentas de certos manuais e uma consideração mais apurada e prudente da função. Até lá não se fala mais em público de NATO ou de recrutamento nas forças armadas. Aqui, talvez recomende que aproveite a deixa simpática da sua colega do MAI, Margarida Blasco, que se apressou, tão solidária quanto precipitadamente, a defender que isso dos “jovens delinquentes” tinha sido dito em nome de todo o Governo. Não foi não! Todos sabemos que não! Mas, vindo de quem tutela as polícias, quem sabe se um dia a senhora ministra não aproveita a ideia e confia às suas polícias a missão de não apenas prender, mas recrutar tais jovens. Era menos complexo que nas forças armadas…

O Nuno Melo, Ministro da Defesa Nacional, líder do CDS/PP, não devia parecer o senhor que se seguiu ao ‘Chicão’, mas sim o senhor que continua Freitas do Amaral, Lucas Pires, Amaro da Costa, Adriano Moreira, Basílio Horta e outros que a democracia portuguesa bem conhece e respeita. Espero que tal aconteça.

QOSHE - Um conselho amigo - Laurentino Dias
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Um conselho amigo

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07.05.2024

1 – Estou certo de que ninguém achará estranho que dois cidadãos adultos, sendo um socialista de esquerda e outro conservador de direita, sejam amigos. E mais ainda se, como é o caso, essa relação de amizade tiver nascido na lide e no debate da luta política ao longo de vários anos. Falo de Nuno Melo que, tal como eu, desceu do distrito de Braga ao Parlamento, e se vai mantendo na actividade política com a fogosidade que se lhe reconhece. Digo isto porque determinação e coragem para o combate foi coisa que nunca me apercebi que lhe faltasse.
Talvez por isso tenha decidido deixar as alcatifas de Bruxelas para voltar à sua terra e meter mãos à obra na missão de ressuscitar o seu CDS (e já agora também PP) do coma profundo em que se encontrava. E teve êxito nesse objectivo. O seu partido regressou ao Parlamento e até ao Governo. Claro que teve de pedir uma “boleia” ao PSD! Sim, é verdade, sem isso talvez ainda hoje estivesse na estrada. Sabia que o PSD aceitaria, pois estava com tanto medo de fazer a viagem sozinho que até contratou um guarda-costas. Adiante.

Contas eleitorais apuradas, e como a sorte acompanha os audazes, ainda se dá ao luxo de fazer notar que foi o seu “poucochinho” que permitiu à AD reivindicar o primeiro lugar........

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