É útil olhar para a “Operação Influencer” (que deu origem à detenção de vários políticos, a buscas na residência oficial do Primeiro-Ministro e, finalmente, à demissão do primeiro-ministro de Portugal) e ver o que sobra. O Ministério Público deteve várias pessoas, que foram libertadas pouco depois, algumas das quais nem sequer foram acusadas. Até ao momento, a principal acusação que emerge é tráfico de influências e o escândalo é o chefe de gabinete de António Costa ter 75 mil euros em dinheiro no seu escritório. Mas são claras as evidências de que o projeto é tão inútil quanto megalómano.

Poucos dias depois de se demitir, o ex-Primeiro Ministro veio a público explicar que este modelo de negócio é o mais desejado pelo capitalismo português: no dia 11 de Novembro garantiu que megaprojetos como o Sines 4.0 são para avançar, custe o que custar. Como as outras estratégias da elite portuguesa, o Data Center é uma perversão da transformação energética e a corrupção efetiva do interesse público, no que diz respeito à descarbonização e ao combate à crise climática.

A imprensa e os políticos confirmam que o interesse é inequívoco, até declaram o projeto um PIN - Projeto de Interesse Nacional - criando uma via verde para a aprovação das burocracias. Os PIN são bebés dos governos, projetos protegidos porque vão dar dinheiro a alguns investidores e acionistas. Em cima do PIN, há ainda um “Simplex Ambiental”, que facilita o contornar de legislação para proteger valores naturais como habitats e zonas perigosas (como zonas de infiltração máxima ou de grande declive). Mas não é corrupção formal, porque é tudo legal. Sobre impacto social ou impacto sobre as futuras gerações, não há problema nenhum, porque como não há legislação para proteger efetivamente estes valores, é tudo legal, nunca há qualquer crime.

Para que serviria então este Data Center? Para aumentar a capacidade de armazenamento de dados na Cloud, para streaming de filmes e séries, para mineração e circulação de criptomoedas, de NFTs, para redes sociais, para “eCommerce”, gaming online, para videoconferências, para acumular mais dados para o ChatGPT e outras ferramentas avançadas de programação, entre outras. Podemos discutir se alguns destes serviços são úteis, muitos deles não são. As “necessidades” de computação, nunca são questionadas, como prestação de contas parecem ter nada e como limite o infinito. Mas esta decisão nunca está nas nossas mãos, apenas nas dos empresários e acionistas que querem fazer lucro, seja qual for a maneira de lá chegar, e dos políticos que as têm de sancionar.

Para que o Data Center funcione, será necessária uma grande quantidade de água (razão pela qual a grande maioria dos Data Centers pelo mundo fora está à beira da água), que em períodos de seca e calor (o futuro, portanto) aumentará. Mas concentrando-nos no consumo de energia anual, é fácil de ver que é monumental: 4 769,8 GWh/ano. Tudo verde, dizem eles. Mas quanta energia renovável é que Portugal produz? Segundo a APREN, em 2022 foram cerca de 25 mil GWh. O objetivo deste projeto é absorver 20% de toda a energia renovável produzida? O dobro de toda a energia solar produzida em 2022? Quase toda a energia hídrica produzida em 2022? Metade da energia que Portugal importou em 2022?

Serão novas centrais renováveis? Projetos como o do Campo Eólico de Morgavel, da EDP Renováveis, para o qual o governo aprovou abater 1800 sobreiros? Ou os de produção de hidrogénio? Outros? Ou irá o Sines 4.0 buscar a energia diretamente à rede, como no procedimento excepcional criado pelo governo para atribuir ligações à rede a projetos PIN? Dizem-nos que não temos energia renovável para abastecer todo o sistema mas podemos retirar 20% de todas as renováveis para um projeto que não tem qualquer interesse público? Isso não vai servir como justificação para manter gás fóssil no sistema?

Na Irlanda, o frenesim dos Data Centers já faz com que 18% de toda a eletricidade do país sirva para abastecer os interesses do Facebook, da Google e da Microsoft. Na onda de calor deste verão o risco de ter de desligar o abastecimento de eletricidade à população para mantê-los a funcionar foi real. O projeto Sines 4.0 teria um consumo de eletricidade próximo à soma de todos os 75 data Centers que existem na Irlanda. Megalomania.

O que é que um projeto destes promove? Qual é o interesse real e palpável, o serviço prestado à sociedade? Além dos 700 a 1200 empregos em logística, segurança e limpeza, provavelmente intermediados por alguma empresa de trabalho temporário, o que traz? Investimento de 3,5 mil milhões de euros em quê? Onde vão parar? O Sines 4.0 promove rendimentos para fundos de investimento. É tudo.

O Sines 4.0 será um consumidor monumental de energia sem contrapartidas para a sociedade. A aposta em projetos destes vai tirar energia do conjunto da rede e ocupar territórios com projetos gigantescos de energia renovável que só servem para garantir lucros de investimentos inúteis. Projetos como estes e o modelo de renováveis orientado pelas indústrias fósseis e copiando os seus monopólios de carvão, petróleo e gás só aprofundarão a resistência à instalação de renováveis. Descarbonização? Não. São só negócios pintados de verde, enquanto a indústria fóssil se mantém. São a garantia da continuação da guerra declarada à sociedade.

O Sines 4.0 beneficia de um sistema e de um governo 100% apostado em garantir o rumo à catástrofe social e ambiental, empatando investimento, recursos e territórios em projetos inúteis para a sociedade, mas rentáveis para acionistas e políticos que possam fazer inaugurações e ser fotografados para futuras eleições.

Entretanto sabemos que a investigação sobre hidrogénio e lítio foi separada da do Data center, mas não fechada. Sobre a corrupção formal, nada se sabe. Sobre os projetos, não há diferenciação do que aconteceu no Sines 4.0: são a corrupção do futuro e de qualquer transição.

QOSHE - Corrompendo o futuro: o Data Center Sines 4.0 - João Camargo
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Corrompendo o futuro: o Data Center Sines 4.0

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11.12.2023

É útil olhar para a “Operação Influencer” (que deu origem à detenção de vários políticos, a buscas na residência oficial do Primeiro-Ministro e, finalmente, à demissão do primeiro-ministro de Portugal) e ver o que sobra. O Ministério Público deteve várias pessoas, que foram libertadas pouco depois, algumas das quais nem sequer foram acusadas. Até ao momento, a principal acusação que emerge é tráfico de influências e o escândalo é o chefe de gabinete de António Costa ter 75 mil euros em dinheiro no seu escritório. Mas são claras as evidências de que o projeto é tão inútil quanto megalómano.

Poucos dias depois de se demitir, o ex-Primeiro Ministro veio a público explicar que este modelo de negócio é o mais desejado pelo capitalismo português: no dia 11 de Novembro garantiu que megaprojetos como o Sines 4.0 são para avançar, custe o que custar. Como as outras estratégias da elite portuguesa, o Data Center é uma perversão da transformação energética e a corrupção efetiva do interesse público, no que diz respeito à descarbonização e ao combate à crise climática.

A imprensa e os políticos confirmam que o interesse é inequívoco, até declaram o projeto um PIN - Projeto de Interesse Nacional - criando uma via verde para a aprovação das burocracias. Os PIN são bebés dos governos, projetos protegidos porque vão dar dinheiro a alguns investidores e acionistas. Em cima do PIN, há ainda um “Simplex Ambiental”, que facilita o contornar de legislação para proteger........

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