Este artigo podia ser sobre o presidente da República, mas não será. Já muito foi dito sobre Marcelo em quem votei duas vezes: o quanto o desfecho eleitoral lhe complica a vida, mas mais ainda, aquilo que o imbróglio do Ministério Público ‘influenciado’ e o silêncio cada vez mais insultuoso da PGR à operação que nos conduziu ao 10 de março deveria ajudar a esclarecer. Há nove meses, quando não era popular fazê-lo, alertei para a nova e insustentável leviandade do próprio que, ao contrário do que foi ignorado pela generalidade do jornalismo ou das direções de informação, surgiu exatamente na gestão do tema do Ex-ministro das Infraestruturas. A tal leviandade adensou, mas não aterrou com o muito que adveio depois disso.

Mas, como referi anteriormente, o centro deste artigo é outro e diz respeito à forma e modo no slogan que foi usado como principal ‘arma’ política por todos os partidos ao longo dos últimos anos. Se até posso aceitar que faz parte do jogo político utilizar um soundbyte panfletário repetidamente, mesmo que este não corresponda à realidade ou ajude a estupidificar uma parte considerável do eleitorado, é preciso referir agora a verdade toda: foi o Chega que mais ganhou com essa caracterização do “socialismo” em modo anos 80 e que nunca existiu na governação. E tanto foi assim que o partido de extrema-direita o acaba por ir buscar em surdina para o centro do seu programa eleitoral. Irónico.

E o que é esse ‘socialismo’ que tantos martelaram forçosamente ou erradamente nos últimos anos e que galgou no terreno fértil e de estupidificação massiva dos Tik Tok’s da vida? É o de um governo que ao contrário de ser social-democrata ou democraticamente socialista, versão século XXI, em vez de reverter algumas medidas que haviam sido perdidas, levasse a cabo políticas que se concentrassem apenas no Estado. Que não acreditasse no mundo empresarial, financeiro, na criação privada, mas também na necessidade de um Estado social e dos funcionários públicos como outro motor. Que dificultasse a vida ao Portugal do investimento estrangeiro, nacional e até a toda a banca nacional e à sua própria saúde financeira porque não recomendava essa necessidade. Enfim, o “socialismo” que se vendeu e se procurou colar transversalmente era o dos que não olhavam para o país como um todo e se deixavam levar pelo sectarismo completo na governação. Perdida a narrativa do “diabo” para sabe-se lá onde, o importante era agora aplicar a excelente máxima do Olaf Plame que, em certos casos, muitos conseguiram colar à governação dos últimos anos.

Só que depois vêm as perguntas difíceis e o desmentido factual.

Como é que fica esse “socialismo” quando se sabe que ao longo de oito anos se convergiu sempre e até se cresceu mais do que a maioria dos países da União Europeia? Ou quando nos apercebemos que foram os anos em que mais investimento estrangeiro se atraiu e no qual as empresas nacionais mais exportaram para outros mercados? Como é que fica esse “socialismo” quando ao contrário do que tanto queria uma extrema-esquerda e tanto quer outra extrema-direita hoje, nunca se praticou nenhuma interferência fiscal sobre a rendibilidade dos bancos nacionais que apresentam lucros históricos? Muito menos se mexeu no IRC dos mesmos que já é mais alto por si só do que a maioria das pessoas pensam. Alguém fez as contas dessa relevância neste período de crise inflacionista na Europa? Ou de como, afinal, uma classe média nacional, neste mesmo período, viaja como nunca viajou e vai-se a ver, tem bastante mais poder de compra do que também se “vendeu” durante muito tempo?

Agora, vem outra novidade: é possível ser-se critico do governo que cessa funções, de muitas outras coisas dos últimos oito anos e ter-se esta noção. Basta ser-se social-democrata, independente, liberal quanto baste, mas essencialmente democrata na verdadeira génese da palavra.

A realidade artificial adveio mesmo da quantidade de pessoas que viveram desta agenda ou que se o não fizeram, ganhariam em voltar para os bancos das universidades e estudar os mais variados sistemas políticos.

É o que é.

QOSHE - Quando descobrem que o “socialismo” nunca governou - Gonçalo Ribeiro Telles
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Quando descobrem que o “socialismo” nunca governou

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18.03.2024

Este artigo podia ser sobre o presidente da República, mas não será. Já muito foi dito sobre Marcelo em quem votei duas vezes: o quanto o desfecho eleitoral lhe complica a vida, mas mais ainda, aquilo que o imbróglio do Ministério Público ‘influenciado’ e o silêncio cada vez mais insultuoso da PGR à operação que nos conduziu ao 10 de março deveria ajudar a esclarecer. Há nove meses, quando não era popular fazê-lo, alertei para a nova e insustentável leviandade do próprio que, ao contrário do que foi ignorado pela generalidade do jornalismo ou das direções de informação, surgiu exatamente na gestão do tema do Ex-ministro das Infraestruturas. A tal leviandade adensou, mas não aterrou com o muito que adveio depois disso.

Mas, como referi anteriormente, o centro deste artigo é outro e diz respeito à forma e modo no slogan que foi usado como principal ‘arma’ política por todos os partidos ao longo dos últimos anos. Se até posso aceitar que faz parte do jogo político utilizar um soundbyte panfletário........

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