Enquanto sociedade, fizemos questão de acelerar a toda a velocidade sob pretexto de estarmos conectados e hoje, se aparecesse uma qualquer operadora a vender telefones fixos com a promessa de que não seríamos mais incomodados com o stress de uma chamada não atendida ou de um WhatsApp não respondido, talvez fosse o próximo sucesso de uma qualquer Black Friday.

“Olá, agora não estou em casa. Deixa mensagem e ligo assim que chegar.” A chamada geração Z (e alguns Millenials não se irão relacionar com isto, mas os restantes leitores cresceram a ouvir mensagens de atendedores mais ou menos parecidas com esta.

Sabiam esperar pacientemente pelo velho “bip” que dava ordem para deixar mensagem. Hoje um loading de mais do que 3 segundos representa uma experiência de conexão frustrante e faz-nos desistir.

Os atendedores remetem para uma época em que se respeitava o tempo e o espaço. Esta noção era muito clara e havia uma hora para se ligar. Mas ligava-se. E as pessoas falavam efetivamente umas com as outras.

A promessa de que as tecnologias móveis potenciam uma maior conexão, falhou redondamente. Está-se sempre ali à mão, mas a verdade é que pouco ou nada se fala. Como quem vive em frente à praia e mal vai ao mergulho durante o ano.

Mas mais do que um tributo às velhas tecnologias ou um texto saudosista, este artigo pretende ser uma reflexão sobre dois conceitos opostos que se percebem na sequência do que tenho vindo a falar até agora – o FOMO (fear of missing out) tão estudado por marketeers e conhecido no meio empresarial e o JOMO (joy of missing out), não tão referido, mas com um potencial gigante.

Começamos por fazer referência a um dos temas mais referidos do momento – a saúde mental.

O conceito de JOMO – Joy of Missing Out – está diretamente relacionado com a capacidade de encontrar prazer (em vez de stress) na sensação de estar a perder algo – como um momento de diversão com amigos, ou um concerto, ou uma reunião importante. E isto, visto pela positiva, pode efetivamente ser uma fórmula crucial para promover a saúde mental.

Como?

É por isso que afirmo que o JOMO é arte de estar presente. Um estado de awareness máximo, a capacidade de estar aqui e agora. Em oposição ao que nos acontece muito atualmente – para dar resposta aos inúmeros estímulos diários, estamos num sítio, mas com a cabeça noutro.

Estamos na reunião, mas com o olho na mensagem que estamos a ler no Smart Watch e com a cabeça na tarefa seguintes.

E quando estamos a brincar com os nossos filhos ao fim do dia, ainda não desligámos completamente do trabalho e há sempre só mais um email para responder ou um WhatsApp para enviar.

O ser humano é um ser inegavelmente relacional e, por isso, o sentimento de “estar a perder algo” – que dá origem ao conceito de Fear Of Missing Out – não é mais do que uma comparação social entre o que eu estou a viver e o que estou a ver os outros viverem.

As redes sociais vêm exponenciar este conceito a uma percentagem difícil de definir. São a principal causa do sentimento de FOMO e, como se pode ler no “Washington Post” num artigo muito interessante dedicado a este tema, “Research shows that higher levels of FOMO are associated with lower self-esteem, lower life satisfaction and more loneliness.”.

Ou seja, o stress, a ansiedade e a tristeza associada a este conceito de FOMO são sentimentos que estão intrinsecamente ligados a outros como a baixa autoestima, solidão e a uma vida de constante insatisfação.

Ainda assim, a ideia aqui não é promover o Joy of Missing Out como o total oposto do primeiro conceito. Não no sentido de incentivar a solidão ou o isolamento, mas antes chamar a atenção para os benefícios de cultivar em cada um de nós o hábito de desconectar para recarregar baterias e rejuvenescer para sermos melhores no campo pessoal e profissional. E, por isso, deve ser algo premeditado e, de certa forma agendado.

No já referido artigo do “Washington Post” podem-se encontrar 3 estratégias que ajudam a cultivar o JOMO, tais como:

Podia ser um título de um filme, mas é um fenómeno bem real. Estar constantemente alerta, a evitar “perder o momento” com um scroll infinito nas redes sociais é exaustivo. O FOMO é exaustivo.

Lê-se aqui na revista Time assim – “We are now in the era of The Great Exhaustion”.

Uma exaustão social que se percebe nos pequenos gestos do dia a dia: encomendar comida porque não há energia para fazer o jantar, fazer as compras online porque não dá para ir ao supermercado, evitar convites sociais porque é impossível conciliar agendas.

Um sem fim de razões que contribuem apenas para entrarmos num efeito “bola de neve” – quanto mais nos sentimentos sem energia, menos conseguimos fazer para contrariar essa sensação.

We have not built a human-needs-first society; we have built a business-needs-first society, and it is starting to show.” – refere o autor e investigador Dan Buettner neste artigo da Time quando aponta o facto de as pessoas viverem, na maioria das regiões, vidas insustentáveis e de ser esta uma das principais razões para a Era da Grande Exaustão, como o próprio intitula.

A outra prende-se com aquilo que é o stress fora de controlo, o mau stress. Este está associado a causas externas que não controlamos e que nos deixam completamente desmoralizados e cansados - alterações climáticas, inflação, guerras e tragédias a nível global que percebemos ser uma consequência da Era que vivemos. Vivemos num mix de sensação de culpa e impotência que contribui para uma depressão coletiva.

Por último, a (in)segurança financeira – viver numa Era em que trabalhar full time já não é suficiente para permitir algum descanso ou segurança financeira. A frustração de não conseguir o que sentimos merecer traduz-se num sentimento de derrota e a derrota leva à exaustão.

A solução para sair desta espiral? Apostar numa vida sustentável baseada no JOMO.

É urgente redescobrir os pequenos prazeres da vida. Recuperar a sensação de uma chamada não atendida, de um telemóvel sem bateria e de uma casa sem computadores e televisão ligados a toda a hora. Perceber que o barulho do silêncio é maravilhoso. Sentir a leveza de simplesmente não querer saber. Por opção. The Joy of Missing Out.

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JOMO: a arte de saber estar (presente)

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06.03.2024

Enquanto sociedade, fizemos questão de acelerar a toda a velocidade sob pretexto de estarmos conectados e hoje, se aparecesse uma qualquer operadora a vender telefones fixos com a promessa de que não seríamos mais incomodados com o stress de uma chamada não atendida ou de um WhatsApp não respondido, talvez fosse o próximo sucesso de uma qualquer Black Friday.

“Olá, agora não estou em casa. Deixa mensagem e ligo assim que chegar.” A chamada geração Z (e alguns Millenials não se irão relacionar com isto, mas os restantes leitores cresceram a ouvir mensagens de atendedores mais ou menos parecidas com esta.

Sabiam esperar pacientemente pelo velho “bip” que dava ordem para deixar mensagem. Hoje um loading de mais do que 3 segundos representa uma experiência de conexão frustrante e faz-nos desistir.

Os atendedores remetem para uma época em que se respeitava o tempo e o espaço. Esta noção era muito clara e havia uma hora para se ligar. Mas ligava-se. E as pessoas falavam efetivamente umas com as outras.

A promessa de que as tecnologias móveis potenciam uma maior conexão, falhou redondamente. Está-se sempre ali à mão, mas a verdade é que pouco ou nada se fala. Como quem vive em frente à praia e mal vai ao mergulho durante o ano.

Mas mais do que um tributo às velhas tecnologias ou um texto saudosista, este artigo pretende ser uma reflexão sobre dois conceitos opostos que se percebem na sequência do que tenho vindo a falar até agora – o FOMO (fear of missing out) tão estudado por marketeers e conhecido no meio empresarial e o JOMO (joy of missing out),........

© Expresso


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