Quando alguém a rondar a minha proveta idade alude a algo benéfico vindo do passado é, em minha opinião, como ratificar o que foi bem feito e útil não só para as pessoas, como para o país. Falo, exatamente, das escolas técnico-profissionais de outrora, onde se atribuíam conhecimentos e práticas sobre as artes e ofícios. Sei do que falo pois, ainda bem jovem, frequentei uma delas nos finais dos anos 50, na nossa Cidade dos Arcebispos.

Ainda cheirava a fresco – de tão nova que era – quando entrei pela primeira vez na Escola Industrial e Comercial Carlos Amarante. Uma vez que tinha sido inaugurada em 1958, cerca de dois anos antes. Ali se ministravam o chamado Ciclo Preparatório de acesso aos cursos de Formação Feminina para as meninas e aos Técnico-oficinais para os meninos. Num tempo em que ainda lá não havia ideologia do género; em que elas tinham os sus espaços próprios e eles os deles. Em que as raparigas vestiam batas brancas e os rapazes usavam os chamados fatos de macaco, nas aulas de trabalhos manuais (TM).

Ali fiquei a saber para que servem e como se usam as ferramentas: a serra a plaina, a máquina de furar, o formão e o palhete, a lima; o torno, etc., e a saber servir-me delas para trabalhar a madeira e o ferro, fazer esquadria, limar, facetar, soldar, colar, lixar e envernizar os demais aspetos das obras. Para nos orientar tínhamos docentes, devidamente preparados, para o ensino dos TM e oficinais. Estou a lembrar-me dos mestres Diogo e Rogério. Se bem que os meus tivessem sido o Zeferino Couto e o António Braga, este falecido em finais de 2023, tendo dedicado grande parte da sua vida à empresa bracarense ETMA.

Na aula de TM, do Ciclo Preparatório, os referidos mestres propunham-nos produzir objetos segundo o seu critério, desde os mais simples aos mais complexos. Certa vez, ao meu colega do lado foi-lhe destinado fazer, em metal, o carro e os cavalos do Messala ( rival de Bem-Ur cujo filme estreara no Theatro Circo). A mim tocou-me construir um tabuleiro de damas completo. Um bico d’obra para pôr as quadrículas em esquadria, bem como as redondas peças do jogo. Porém, depois de polidos e envernizados, ambos os trabalhos ficaram in pec.

Já nas oficinas os materiais eram bem mais difíceis de executar, e as ferramentas requeriam algum cuidado. De tudo isso se encarregavam os alunos serralheiros, torneiros mecânicos e eletricistas que primavam pelo rigor na sua execução, dada a maior responsabilidade na sua aplicação. Muitos desses educandos, viriam a ingressar em cursos superiores de engenharia quer da construção civil, ou de metalo-mecânica.

A meu ver, foi um erro crasso do poder em Portugal, depois do 25ABR74, não ter dado continuidade a esse ramo de ensino, só porque transcorria do antigo regime. Provam-no, desde há algum tempo, a carência de profissionais das mais variadas áreas da nossa indústria. De gente com experiência e teoria adquiridas nas tais escolas de índole laboral, de onde saia mão d’obra qualificada. Hoje temos as chamadas escolas profissionais, uma espécie de mea-culpa pelo erro crasso.

É que para além da aprendizagem técnica, tínhamos aulas de Língua portuguesa, Matemática, História, Ciências-naturais e Geografia, Francês, Desenho, Ed. Física, Canto Coral e R. Moral. Um cardápio de disciplinas bastante importante para a formação de cada aluno seguir as mais variadas áreas de trabalho e tirar partido desses estudos para outros voos no elevador social.

Para tal êxito, a nossa escola possuía regras e disciplina impostas pelo diretor, á altura, Eng. Jorge Segismundo A. Pereira de Lima, e pelo subdiretor, Dr. Gama Lobo Xavier, bem como pelo chefe da Secretaria, Augusto Martins, entretanto desaparecidos.

Portugal, sem crescimento económico que se veja não irá tão longe quanto o desejável. Daí que as escolas a que aqui aludi caso existissem, adaptadas aos dias de hoje, seriam uma preciosa ajuda não só á mão d’obra em falta no país, como ao aumento da riqueza.

QOSHE - “LAMPEJOS” DA MEMÓRIA - Narciso Mendes
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“LAMPEJOS” DA MEMÓRIA

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15.04.2024

Quando alguém a rondar a minha proveta idade alude a algo benéfico vindo do passado é, em minha opinião, como ratificar o que foi bem feito e útil não só para as pessoas, como para o país. Falo, exatamente, das escolas técnico-profissionais de outrora, onde se atribuíam conhecimentos e práticas sobre as artes e ofícios. Sei do que falo pois, ainda bem jovem, frequentei uma delas nos finais dos anos 50, na nossa Cidade dos Arcebispos.

Ainda cheirava a fresco – de tão nova que era – quando entrei pela primeira vez na Escola Industrial e Comercial Carlos Amarante. Uma vez que tinha sido inaugurada em 1958, cerca de dois anos antes. Ali se ministravam o chamado Ciclo Preparatório de acesso aos cursos de Formação Feminina para as meninas e aos Técnico-oficinais para os meninos. Num tempo em que ainda lá não havia ideologia do género; em que elas tinham os sus espaços próprios e eles os deles. Em que as raparigas vestiam batas brancas e os rapazes usavam os chamados fatos de........

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