Segundo reza a história, a democracia portuguesa já viveu períodos de contestação popular um pouco complicados. Estou a recordar-me de uma que trouxe para a rua coelhos de peluche pendurados em paus, como forma de indicar a forca ao destinatário da mensagem. Em que muitas dessas ações eram acompanhadas pelo entoar do Grândola Vila Morena e em que até o socialista-mor do reino, Mário Soares, se apressou a juntar-se a toda a esquerda (a quem traçara linhas vermelhas), para derrubar o Primeiro-ministro do Governo dessa altura. Foram quatro anos de uma pressa danada em derrubá-lo.

Estávamos no período de ajustamento, com as consequências que se sabem, imposto pelos nossos credores internacionais, devido ao esbanjamento dos recursos económicos do país – por parte da anterior gestão – que o levou Portugal à pré-bancarrota. Era líder do Governo PSD, coligado, Passos Coelho, que havia vencido as eleições em 2011 e, a seguir, em 2015. Ganhou-as, mas não governou. Graças à prodigiosa imaginação do candidato derrotado, António Costa (AC), que se viria a juntar à extrema-esquerda, conferindo-lhe uma maioria parlamentar sólida para Governar o país em acalmia.

E assim foi. Durante o primeiro mandato presidido por AC não se ouviu um único pio dos camaradas do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista Português, que mandou fechar para férias a CGTP, enquanto durou a “geringonça”. Vivendo-se uma acalmia, nunca sentida antes, que chegou a adormecer o povo. Só que esta parceria das esquerdas queria mandar mais no Orçamento que o chefe, levando-as a amuar e pondo termo ao acordo. O que fez com que os seus simpatizantes despejassem, em eleições, o seu voto no PS, dando-lhe uma maioria absoluta.

No entanto, mesmo com força maioritária, AC não teve mão no elenco do seu novo Governo, despachando 14 governantes para outras vidas. Mesmo assim, confrontado com os casos mais mirabolantes, viria a manter-se ao leme da sua equipa até surgirem mais alguns escândalos que o levaram a pedir a demissão ao Presidente Marcelo, com consequente queda do Governo. O qual ficou na gestão do país até hoje, altura em que começaram a sair à cena alguns podres da sua governação.

Daí que só agora, passados oito anos de socialismo, tenham surgido manifestações e greves, motivadas pelas carências em quase todos os setores públicos e não só. Como se, de repente, as pessoas acordassem da letargia em que mergulharam durante todo esse tempo – sem qualquer gesto, nem palavra vinda a terreiro – para agora dizer que o rei vai nu, quando ia mesmo nessa altura. Como, por exemplo, o SNS, despido de médicos, enfermeiros e assistentes operacionais; a educação com falta de professores e pessoal auxiliar; os tribunais, com défice de funcionários; a escassez de militares nos quartéis, etc.

Este é um povo surpreendente, de brandos costumes e reações lentas, que apenas sai à rua a gritar aqui-del-rei quando já está quase tudo a arder. Que só quando desvia o olhar do lúdico é que começou a ver a realidade dos salários demasiado baixos; da falta de habitação; das creches e lares para estudantes; das pensões e reformas miseráveis e do alto índice de pobreza; da doença assistida, muitas das vezes, a prazo, apesar do massacre aos cidadãos com impostos e taxinhas.

Enfim, depois deste despertar algo tardio p’ra situação do país, aquilo que se espera é que este nobre povo se não deixe enredar muito nas promessas vomitadas pelos partidos políticos e se continue a manifestar sem rodeios; denuncie a corrupção, os atropelos à democracia e não se não deixe embrulhar pelo palavreado daqueles que prometem um novo Aeroporto, o TGV e mais travessias, num brutal despesismo, como se o país nadasse em alvíssaras.

Ademais, com a situação internacional ao rubro seria de todo aconselhável, no próximo domingo, 10 de março, o voto em partidos políticos que defendem a permanência de Portugal na Europa, no Euro e na NATO. É que alguns há que defendem o contrário, embora o encubram.

QOSHE - “DESPERTAR” ALGO TARDIO - Narciso Mendes
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“DESPERTAR” ALGO TARDIO

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04.03.2024

Segundo reza a história, a democracia portuguesa já viveu períodos de contestação popular um pouco complicados. Estou a recordar-me de uma que trouxe para a rua coelhos de peluche pendurados em paus, como forma de indicar a forca ao destinatário da mensagem. Em que muitas dessas ações eram acompanhadas pelo entoar do Grândola Vila Morena e em que até o socialista-mor do reino, Mário Soares, se apressou a juntar-se a toda a esquerda (a quem traçara linhas vermelhas), para derrubar o Primeiro-ministro do Governo dessa altura. Foram quatro anos de uma pressa danada em derrubá-lo.

Estávamos no período de ajustamento, com as consequências que se sabem, imposto pelos nossos credores internacionais, devido ao esbanjamento dos recursos económicos do país – por parte da anterior gestão – que o levou Portugal à pré-bancarrota. Era líder do Governo PSD, coligado, Passos Coelho, que havia vencido as eleições em 2011 e, a seguir, em 2015. Ganhou-as, mas não governou. Graças à prodigiosa........

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