Por mais que Pedro Nuno Santos o tivesse querido e dito de forma original – em “rap soletrado”, como pronuncia quase todo o seu discurso – o objectivo de viajar de comboio até São Bento não se concretizou. Chegar de comboio à residência oficial de Primeiro Ministro ainda não é possível, aliás, é bem possível que nunca se lá chegue dessa forma. Não vale a pena prometer aquilo que não é possível. Na campanha, o secretário geral socialista chegou a representar a cena que ele próprio escreveu como se a realidade fosse a que descrevia então: “O comboio vai para São Bento, eu vou no comboio”. Não, se o comboio ia para lá, não foi. Não estava no itinerário, nenhum chefe de estação, nenhum profissional de bilheteira, nenhum revisor de comboio lhe passaria um bilhete com aquele destino. É verdade, ninguém pode impedir alguém de sonhar, mas não é cordial que alguém prometa uma viagem que não seja possível de fazer. Infelizmente, na política promete-se muito que se sabe não ser possível de concretizar. Promessas de ofício de políticos que melindram depois os cidadãos.

Pedro Nuno ficou apeado, ainda que a pouca distância do cenário que criou, e com ele outros que seguiam a seu lado e todos os que lhe foram acenando à passagem das carruagens e vagões enquanto cumpria o itinerário de campanha. Até António Costa ficou com a faculdade de combinar outras viagens prejudicada. Sabe-se agora, na manhã de segunda-feira, enquanto escuto os resultados que se formaram de noite, que a teimosia irresponsável nunca é boa conselheira. Como é que o enredo se podia concretizar sem construção de infraestrutura? Sem infraestrutura ninguém chega a lado nenhum, só em sonho se pode concretizar um objectivo. O sonho pode comandar a vida, mas não é tudo. Se o maquinista se convence que não precisa de afinco e atenção ao longo do percurso, que pode passar o tempo a olhar para o lado, com certezas infundadas e sem olhar para o futuro, pelo facto da composição deslizar sobre carris, é bem provável que o descarrilamento aconteça logo na primeira curva. Para além disso, o histórico de insucessos e de acidentes por desleixo e incompetência acaba sempre por condicionar a renovação do contrato seguinte. Mais, Pedro Nuno não percebeu que em viagens anteriores o comboio se atrasou demasiadas vezes e noutras ocasiões a máquina seguiu avariada.

Contados os sufrágios, fica resolvida, ainda que provisoriamente, a situação. A procura diminuiu em valor absoluto e em termos relativos por aquelas falhas, tendo o povo chegado à conclusão que o Partido Socialista não merecia dirigir a composição, pelo menos durante algum tempo, não fosse o país ficar ainda mais com a vida atrasada e ver-se teimosamente ultrapassado por outros antes mais lentos. Foram muitos meses, demasiados anos de desgoverno. Havia que mudar de rumo, consertar a máquina, escolher novo maquinista e tarear melhor os vagões.

O primeiro passo está dado. A nova situação pode ser, no entanto, sol de pouca dura. Montenegro chegará a São Bento, mas não se sabe que meio de transporte vai usar, nem quanto tempo lá estará. Quem escolhe o governo é o povo, é verdade, mas também é este que escolhe a oposição. O novo timoneiro só está a querer concentrar-se na primeira parte da frase, mas o povo obriga-o a olhar para a frase toda. Se o não fizer e não meter mãos à obra, como diz querer fazer o mais rapidamente possível, corre o risco de não fazer o que no discurso de vitória disse que faria de imediato. De nada lhe valerá a pose de bom fazedor se não ler tudo aquilo que o povo escreveu nos resultados eleitorais. Mais do que da oposição, os eleitores esperam mais do governo e da coligação vencedora. A haver instabilidade, Montenegro não poderá culpar nem o povo nem toda a oposição.

QOSHE - O comboio não chegou a São Bento - Luís Martins
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O comboio não chegou a São Bento

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12.03.2024

Por mais que Pedro Nuno Santos o tivesse querido e dito de forma original – em “rap soletrado”, como pronuncia quase todo o seu discurso – o objectivo de viajar de comboio até São Bento não se concretizou. Chegar de comboio à residência oficial de Primeiro Ministro ainda não é possível, aliás, é bem possível que nunca se lá chegue dessa forma. Não vale a pena prometer aquilo que não é possível. Na campanha, o secretário geral socialista chegou a representar a cena que ele próprio escreveu como se a realidade fosse a que descrevia então: “O comboio vai para São Bento, eu vou no comboio”. Não, se o comboio ia para lá, não foi. Não estava no itinerário, nenhum chefe de estação, nenhum profissional de bilheteira, nenhum revisor de comboio lhe passaria um bilhete com aquele destino. É verdade, ninguém pode impedir alguém de sonhar, mas não é cordial que alguém prometa uma viagem que não seja possível de fazer.........

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